Análise IEDI
Duas crises, pouca recuperação
Em outubro de 2018, completaram-se dez anos desde que eclodiu a última grande crise da economia global, da qual o Brasil não foi poupado. Agora que estamos em posse dos dados da indústria e do PIB brasileiro que cobrem a totalidade deste período, podemos fazer um balanço de seus efeitos sobre o país.
Nesta última década, porém, nossa indústria enfrentou não apenas uma, mas duas graves crises que ainda não foram plenamente superadas: uma em 2008 e outra em 2014-2016. Embora tenham tido origens e perfis distintos, esses dois períodos de adversidade guardam relações entre si e acumularam efeitos fortes o suficiente para se espalharem para o conjunto da economia.
O primeiro momento de adversidade se deu na passagem de 2008 para 2009, quando o aprofundamento da crise internacional com a falência do Banco Lehman Brothers, em meados de set/08, atingiu em cheio o Brasil por meio da queda dos preços internacionais de commodities, declínio do crescimento do comércio global e do próprio PIB mundial, arrastados pelo mergulho das economias avançadas.
Apesar de abrupta, dado que apenas no 4º trim/08 o PIB manufatureiro retraiu nada menos do que -10,7% e o PIB total -3,9% frente ao trimestre anterior, a crise de 2008 rapidamente deu lugar à retomada do crescimento, alavancada, inclusive, por políticas econômicas de caráter anticíclico. Assim, a queda de -9,3% da indústria acumulada em 2009 se reverteu em alta de +9,2% em 2010. A economia como um todo se saiu melhor e já em 2009 conseguiu fechar o ano praticamente estável (-0,1%).
Passada a reação inicial da indústria, este seria o padrão a ser verificado nos anos seguintes, qual seja, o desempenho industrial nunca superando o crescimento do PIB total e, ademais, nem sempre positivo (-2,2% em 2012). E isso a despeito de inúmeras medidas que buscavam preservar a competitividade do setor. Como mostrou a Carta IEDI n. 864 , de 13/07/18, este foi um período de notável dificuldade à produtividade da indústria de transformação: declínio de -3,3% em 2012 e aumento médio de apenas +1,7% em 2013-2014, depois de ter avançado +4,2% em 2010.
Foi também um período de expressiva perda de competitividade da produção nacional. Fator decisivo para isso veio da apreciação cambial que, segundo a taxa real efetiva, chegou a quase 30% entre out/08 e jul/11. Somente em início de 2015 voltaria ao patamar de 2008. Como resultado, o saldo da balança comercial da indústria de transformação do Brasil saiu de um superávit de US$ 18,8 bilhões em 2007 para um déficit de US$ 63,3 bilhões em 2014 (Carta IEDI n. 830 de 09/02/18).
A valorização do real abriu espaço para o produto estrangeiro no mercado doméstico e reduziu a presença do produto brasileiro em mercados estrangeiros, inclusive pelo acirramento da concorrência internacional. A Carta IEDI n. 590, de 20/09/13, por exemplo, trouxe evidências do deslocamento das exportações brasileiras de manufaturados em seus principais mercados externos pela China, que procurou aumentar sua presença em países emergentes para compensar a perda de dinamismo nas economias centrais. O peso de nossas exportações de manufaturados no total mundial, já bastante marginal, recuou ainda mais, passando de 0,81% em 2008 para 0,59% em 2014 (Carta IEDI n. 892 de 05/12/18).
Deste modo, em meados de 2013 o nível do PIB da indústria de transformação encontrava-se praticamente no mesmo nível do imediato pré-crise 2008 (-0,7% para 2ºT13/3ºT08 com ajuste sazonal). Em outras palavras, passaram-se cinco anos para a indústria não sair do lugar. Os dados da produção física da indústria geral também mostram um quadro semelhante: -0,2% na comparação de nov13/set08, descontados os efeitos sazonais.
Em contraste, o nível do PIB total era 15% maior ao se comparar seu nível no 2º trim/13 com o do 3º trim/08. Essa disparidade com a indústria significa dizer que a reação da economia brasileira ao impacto da crise global de 2008 contemplou sobretudo os demais setores menos sujeitos à concorrência internacional e mais vinculados ao mercado doméstico.
O segundo período de crise é aquele mais recente, que para a indústria implicou três anos seguidos de profundas perdas. Neste caso, fatores internos e externos se congregam para produzi-la, conferindo-lhe um caráter ainda mais agudo e duradouro que as adversidades de 2008.
Perda de competitividade da produção nacional, baixa produtividade, erros na elaboração e condução de políticas econômicas, bem como uma escalada de tensão no quadro político do país compuseram fatores condicionantes internos. Em 2015, a tentativa de reverter bruscamente ações anteriores do governo também colocou a economia em marcha a ré. Do lado externo, o baixo crescimento do PIB mundial e do comércio internacional tampouco contribuiu para que as exportações brasileiras funcionassem plenamente como uma via de escape da retração do mercado doméstico.
Assim, no final de 2016, o PIB da indústria de transformação atingiu um patamar quase 20% menor do aquele de meados de 2013, isto é, logo antes de entrar em rota cadente. O PIB total, cujo ponto de inflexão veio um pouco depois, registra, a seu turno, declínio de -8% na comparação entre 4º trim/16 e 1º trim/14, na série com ajuste sazonal. É este retrocesso que estamos tentando reverter, a duras penas, desde 2017, por meio de um processo de recuperação extremamente frágil e descontínuo.
O retorno ao crescimento e fortalecimento dos resultados que testemunhamos em 2017 foram interrompidos em 2018, como apontaram as Análises IEDI de 30/11/18, a respeito do resultado do PIB do 3º trimestre, e de 04/12/18, sobre o desempenho industrial de janeiro a outubro do corrente ano. Ao longo da última década, depois de duas crises e dos quase dois anos de recuperação, em que ponto nos encontramos?
A resposta a esta questão não é das mais otimistas, sobretudo para a indústria. O nível de produção física da indústria geral em setembro de 2018 permanecia 14,8% abaixo do patamar de setembro de 2008, antes de a primeira crise aqui considerada atingir o setor. O PIB manufatureiro do 3º trim/18 era, por sua vez, 15,8% inferior àquele do 3º trim/08. Estas são evidências de que a indústria segue combalida, longe do vigor perdido em 2008.
Já o desempenho exportador da indústria de transformação melhorou, sob influência dos episódios de desvalorização cambial entre 2015 e 2018, bem como por um ritmo superior de crescimento do comércio internacional (Carta IEDI n. 885 de 26/10/2018) e pela necessidade de as empresas recorrerem ao mercado externo como forma abrandar a crise doméstica.
De todo modo, a exportação de manufaturados acumulada nos três primeiros trimestres de 2018 (US$ 102 bilhões) é praticamente a mesma de igual período de 2008 (US$ 104,4 bilhões). Ou seja, sem avanço adicional. Dada a reação das importações do setor, que já são +12,7% superiores ao nível de jan-set/08, o déficit de comércio exterior da indústria de transformação acumulado até setembro do presente ano (US$ -20,3 bilhões) é cinco vezes maior do que de igual período de 2008 (US$ -4,1 bilhões). Pode-se dizer com isso que o padrão deficitário deflagrado pela crise de 2008 não foi rompido e sua magnitude vem se restaurando (Carta IEDI n. 887 de 02/11/18).
O PIB total, por sua vez, graças ao desempenho obtido entre 2010 e 2013, encontrava-se no 3º trim/18 em um ponto 10,6% superior àquele do 3º trim/08, refletindo a evolução dos outros grandes setores da economia que não a indústria. Entre os períodos aqui considerados, a agropecuária situava-se em um ponto 27% superior e os serviços como um todo em um ponto 14% superior. Dado o caráter capital-intensivo da indústria, mas também à contração do investimento público, do lado da demanda o único componente do PIB a se encontrar em um ponto inferior ao nível do 3º trim/08 é a formação bruta de capital físico (-6,2%).