Carta IEDI
As novas políticas industriais no mundo
A Carta IEDI de hoje aborda o artigo “The New Economics of Industrial Policy”, publicado em ago/23, de autoria de Dani Rodrik (Harvard University), Réka Juhász (University of British Columbia) e Nathan Lane (University of Oxford). O estudo faz parte das reflexões do The Industrial Policy Group, que reúne pesquisadores de diversas instituições de renome internacional.
Os autores argumentam, com base em experiências nacionais dos últimos anos, que a política industrial contemporânea tornou-se muito mais complexa do que no passado, em função da diversidade e da magnitude dos problemas que tentam endereçar.
Dentre seus objetivos atuais destacam-se a transição para uma estrutura produtiva ambientalmente sustentável, a construção de cadeias de suprimentos resilientes, a geração de empregos de qualidade, a provisão de serviços públicos e garantia da segurança nacional em um cenário de tensões geopolíticas crescentes.
Esta visão é amplamente compartilhada entre diferentes instituições no mundo, como mostram muitas divulgações do IEDI, a exemplo das Cartas n. 783 “Experiências de política industrial no século XXI” de abr/17; n. 823 “Indústria 4.0: Políticas e estratégias nacionais face à nova revolução produtiva” de dez/17; n. 881 “Estratégia industrial é regra e não exceção no mundo” de set/18; n. 916 “As Novas Políticas de Inovação na Era da Digitalização” de mar/19; n. 925 “Critérios de uma política industrial de sucesso” de mai/19; e n. 1159 “Indicações da OCDE para Estratégias Industriais” de set/22, entre outras publicações.
Assim, como enfatizam Rodrik e seus coautores, não há margem para uma visão restrita e simplista que muitos analistas e acadêmicos desenvolveram a respeito das políticas industriais adotadas em 1960-1970, que confundiam seus objetivos com mero protecionismo e subsídios a setores pouco competitivos internacionalmente.
As novas estratégias também se diferenciam das anteriores e são mais complexas porque implicam constante interação com todos os stakeholders envolvidos (ao invés de uma política top-down, criada a partir do Estado) e buscam a construção de capacitações inovativas de maneira sistêmica. Ademais, para atender a seus objetivos, precisam desenvolver uma abordagem sistêmica, para além das questões associadas exclusivamente à manufatura.
A partir dessas características os autores observam que, entre 2010 e 2022, o número de ações de política industrial no mundo foi multiplicado por 46 e a grande maioria delas (quase 80%) concentrou-se nos países de alta renda, que lançaram mão, sobretudo, dos seguintes instrumentos: financiamento público, financiamento à exportação e subvenções econômicas. O CHIPS & Science Act e o IRA nos EUA são exemplos paradigmáticos desta retomada.
O estudo de Rodrik, Juhász e Lane traz argumentos teóricos e empíricos de uma nova leva de estudos que apontam para este resgate da política industrial.
Do ponto de vista teórico entre as justificativas mais aceitas na literatura econômica estão: geração de externalidades positivas, redução ou eliminação de falhas de coordenação de mercado e a promoção de bens públicos.
As externalidades se referem à capacidade de uma política industrial gerar benefícios sociais mais amplos do que o apoio restrito concedido a uma atividade econômica.
Essas externalidades podem ser tecnológicas (a exemplo, do desenvolvimento de uma nova vacina que melhore a saúde coletiva), relativas ao aumento da qualidade dos empregos (como o fomento público ao P&D no Vale do Silício que viabilizou um ecossistema produtivo capaz de gerar milhares de empregos bem pagos); ou relativas à segurança nacional (quando o desenvolvimento tecnológico local reduz a dependência de cadeias de suprimento instáveis, como no caso de semicondutores).
No caso de falhas de coordenação de mercado, atividades interdependentes podem não se desenvolver plenamente sem uma ação pública coordenadora. É o caso, por exemplo, da transição para carros elétricos, que só é possível se houver previamente uma ampla rede de pontos de recarga. Entretanto, os investimentos nesta infraestrutura só serão desencadeados a partir do momento em que os investidores já identificarem a presença de um expressivo número de carros elétricos na frota nacional.
Por fim, uma política industrial também se justifica na medida em que é um importante instrumento provedor de bens públicos. Estes podem ser horizontais, como infraestrutura, ou específicos a determinados desafios, como o apoio a P&D e treinamento de recursos humanos para os complexos industriais da saúde, de defesa etc.
Rodrik e seus coautores também apresentam uma síntese de estudos empíricos recentes, com uso de novas ferramentas, que buscam avaliar os resultados e a eficiência da política industrial em diversos países e setores. Os autores mostram que essa literatura indica que tais políticas têm tido efeitos positivos e com impactos consistentes ao longo do tempo para incentivar o nascimento de novas indústrias e tecnologias.
Os trabalhos analisados indicam, por exemplo, que as políticas públicas de inovação potencializam o P&D privado, ao invés de substituí-lo, e que seus resultados contribuem para o desenvolvimento tecnológico de regiões específicas, com efeitos duradouros. São destacados casos na Coréia do Sul, China, Vietnã, EUA etc.
Os autores também alertam para algumas características para as quais os policy makers precisam se atentar:
1. É preciso que a construção da política se baseie em intensa colaboração público-privada, que assegure legitimidade entre os diversos stakeholders, ao invés de iniciativas top-down por parte dos governos.
2. As políticas devem buscar o binômio “autonomia-enraizamento”. Autonomia para os policy makers resistirem aos lobbies de interesse e enraizamento nas demandas e problemas sociais a serem enfrentados, a partir de canais institucionais permanentemente abertos ao setor privado e à sociedade civil. A DARPA (Defense Advanced Research Projects Agengy) dos EUA é um exemplo de sucesso citado pelos autores.
3. Enfatizar a oferta de serviços públicos que aumentem a produtividade, como os programas de extensionismo com objetivo de aumentar a produtividade de pequenas e médias empresas, o treinamento de mão de obra e investimentos em infraestrutura.
Os autores lembram que estudos empíricos nos EUA indicam que é gerado 1 emprego a cada US$ 34 mil investidos em treinamento e serviços de extensionismo, enquanto são necessários US$ 196 mil como subsídios para ter o mesmo impacto. Cabe lembrar que o Programa Brasil Mais Produtivo é uma política de extensionismo, como já discutiram as Cartas IEDI n. 918 “A iniciativa Brasil Mais Produtivo: avanços e limitações” e n. 1173 “Produtividade: o desafio brasileiro”, por exemplo.
4. Por fim, Rodrik e seus coautores também enfatizam a necessidade de as políticas incorporarem de maneira crescente a interação entre a manufatura e os serviços, dada a desindustrialização por que muitos países passaram e frente aos desafios à geração de emprego industrial que a digitalização pode trazer.
A retomada da política industrial no mundo
A Carta IEDI de hoje aborda o artigo “The New Economics of Industrial Policy”, publicado em ago/23, de autoria de Dani Rodrik (Harvard University), Réka Juhász (University of British Columbia) e Nathan Lane (University of Oxford). Estudo faz parte das reflexões do The Industrial Policy Group, que reúne pesquisadores de diversas instituições de renome internacional.
Segundo os autores, poucos temas do debate econômico despertam tanta polarização quanto a política industrial. Isso entre acadêmicos, mas também entre empresários e policy makers. Historicamente tem sido um tema extremamente controverso, dada a complexidade do processo multifatorial de desenvolvimento econômico dos países.
Apesar disso, há bem menos discordância de que as políticas industriais nunca deixaram de ser usadas, seja por países de alta renda como EUA, Alemanha e Japão, entre outros, ainda que a retórica nem sempre as reconheça, seja pelos países emergentes e em desenvolvimento.
Até em momentos da história onde a aversão pública ao tema era bastante enfática, como nos governos de Ronald Reagan, nos EUA, e Margaret Tatcher, na Inglaterra, os autores afirmam que são muitas as evidências de iniciativas utilizadas por estas administrações para fortalecer a competitividade das indústrias locais frente a concorrentes internacionais. Por exemplo, nos dois casos supracitados são emblemáticos os incentivos a suas indústrias automobilísticas face à ascensão japonesa neste setor.
No período atual, entretanto, tem-se observado no mundo todo uma retomada generalizada das ações de política industrial de forma explícita, ao contrário do período de auge do liberalismo nas décadas de 1980 e 1990. O estudo elenca inúmeros fatores por trás dessa retomada, com destaque para:
• Os imperativos ambientais e a decorrente urgência em se fomentar a transição verde;
• A busca pela construção de cadeias de suprimento resilientes como forma de mitigar as crescentes instabilidades no cenário econômico e político internacional;
• A necessidade de se criar empregos de qualidade a fim de se contornar a progressiva redução da classe média nos países de alta renda;
• A escalada das disputas tecnológica e geopolítica entre China e EUA.
Para os autores, exemplos bastante ilustrativos dessa retomada são o CHIPS and Science Act (jul/22) e o Inflation Reduction Act - IRA (ago/22) nos EUA, que têm como principais objetivos fomentar o avanço do desenvolvimento tecnológico nacional e da produção doméstica de semicondutores e assegurar investimentos na transição energética.
Os desafios colocados à economia e à sociedade contemporâneas tem exigido, na visão dos autores do estudo, uma “nova versão” da política industrial quando comparada às experiências que marcaram os anos 1960 e 1970.
De maneira geral a política industrial moderna é muito mais complexa, deve ser orientada a partir de uma constante interação com todos os stakeholders envolvidos (ao invés de uma política top-down, criada a partir do Estado) e deve buscar a construção de capacitações inovativas de maneira sistêmica. Além disso deve ser capaz de atender problemas e resolver desafios complexos da sociedade, para além apenas das questões associadas diretamente à manufatura.
Deste modo, os objetivos da política industrial contemporânea vão muito além de aumentar a produtividade e a competitividade de uma economia, incorporando a necessidade de promover transformações em suas estruturas em resposta aos desafios da atualidade.
É exatamente por isso, segundo o artigo, que instrumentos tradicionalmente associados à velha ideia de política industrial como tarifas e subsídios são vistos atualmente como bastante limitados face à complexidade dos objetivos.
São inúmeras as justificativas teóricas identificadas por Rodrik e seus coautores que dão suporte a esse “rejuvenescimento” da política industrial no mundo. Uma das mais aceitas na literatura econômica refere-se a sua capacidade de promover externalidades. Ou seja, a capacidade de uma política incentivar determinadas ações em um setor, empresa ou tecnologia que gere benefícios sociais muito maiores que os benefícios restritos unicamente ao agente incentivado.
Essas externalidades podem ser:
• tecnológicas - por exemplo, quando o apoio ao desenvolvimento de uma nova vacina melhora significativamente a saúde coletiva;
• relativas à melhora da qualidade dos empregos - a exemplo do fomento público por décadas ao P&D no Vale do Silício que viabilizou um ecossistema produtivo capaz de gerar centenas de milhares de empregos de alta remuneração; ou
• relativas à segurança nacional - como no caso em que o desenvolvimento tecnológico local reduz a demanda por insumos internacionais com cadeias de suprimento instáveis tal qual se observa atualmente no caso da indústria de semicondutores.
A nova política industrial também se justifica quando há falhas de coordenação de mercado. Ou seja, quando a existência de determinado mercado / setor / tecnologia só é viável caso haja a existência simultânea e viável de outro mercado / setor / tecnologia. Nesse caso, a existência de ambos seria mutuamente benéfica e traria benefícios à sociedade. Sem a devida coordenação prévia por parte das políticas industriais, argumentam os autores, é improvável que esses dois mercados floresçam espontaneamente.
Um exemplo ajudaria a ilustrar tal situação: a transição em massa para carros elétricos só é possível caso haja a existência prévia de uma ampla rede de pontos de carregamento na infraestrutura de transporte existente em determinado país. Entretanto, os investimentos nessa infraestrutura só serão desencadeados a partir do momento em que as firmas já identificarem a presença de um vultoso número de carros elétricos na frota nacional.
Assim, caso não haja uma política industrial que vise contornar tal problema de coordenação, é provável que os investimentos tanto na infraestrutura de recarga e em atividades a ela relacionadas quanto na produção de automóveis permaneçam em compasso de espera mútua.
No caso de uma política industrial bem desenhada e implementada, a coordenação entre ambos os segmentos pode trazer benefícios mútuos ao reduzir a incerteza, além de também trazer externalidades ambientais importantes.
A própria atuação do Departamento de Energia dos EUA ao oferecer uma garantia de crédito à TESLA em seus anos iniciais de atuação é vista como um fator crucial para o posterior sucesso da empresa e os conseguintes efeitos indiretos em toda a indústria de automóveis elétricos não só nos EUA, mas no mundo.
Por fim, uma política industrial também se justifica na medida em que é um importante instrumento provedor de bens públicos. Estes podem ser horizontais, como infraestrutura, ou específicos a determinados desafios como a provisão de P&D e treinamento de recursos humanos para o complexo industrial da saúde.
É neste contexto que o trabalho de Juhász, Lane e Rodrik busca identificar quais seriam as principais características do movimento recente de retomada da política industrial. Esse esforço é feito a partir da análise de uma base de dados que mapeia desde 2008 as principais políticas com potenciais efeitos sobre o comércio internacional, a partir da Global Trade Alert Database.
A primeira grande conclusão é a de que ações de política industrial retornaram com bastante ênfase na década de 2010, com um crescimento exponencial em 2018 e 2021. Como ilustra o gráfico a seguir, em 2022 o número de ações foi quase 7 vezes maior do que o número de 2017 e 46 vezes o número de 2010.
A segunda grande constatação empírica apontada pelo estudo é a de que os países de alta renda são aqueles que realizam a maior parte das ações de política industrial, com destaque absoluto para os países da OCDE.
Com relação aos tipos de políticas implementadas, os autores identificam diferentes perfis segundo os níveis de renda dos países. Assim, para aqueles de alta renda os três principais instrumentos são financiamentos públicos, financiamento à exportação e subvenções econômicas.
Já para os países de renda média, taxas de juros subsidiadas substituem a política de financiamento à exportação como um dos três principais instrumentos. Também vale destacar que a oferta de incentivos fiscais e de redução de custos com encargos sociais também é uma importante política utilizada por estes países, ao contrário dos países de alta renda, conforme pode ser visto nos gráficos a seguir.
Por fim, com relação aos setores incentivados, entre os países de renda média os principais destaques são: veículos (27% do total das ações), máquinas e partes (14%) e combustíveis minerais (12%). Nos países de alta renda, a grande diferença entre os setores incentivados é a presença daqueles orientados à geração de energia elétrica limpa. Já entre os países de baixa renda, observa-se que setores de baixo valor adicionado (e intensivos em mão de obra) como vestuário e plástico aparecem entre os 10 principais incentivados.
Novas evidências empíricas da efetividade da política industrial
Historicamente a política industrial tem sido alvo de críticas por parte das interpretações econômicas normalmente classificadas como “liberais”, “neoclássicas” “ortodoxas” ou “mainstream”. Duas dessas principais críticas remetem à incapacidade de o governo possuir as informações necessárias para tomar decisões e ao risco de captura por parte dos lobbies privados.
O resultado dessas limitações seria a incapacidade de as políticas industriais escolherem os vencedores (‘pick winners’). Ou seja, a seleção a priori de empresas, tecnologias ou setores por parte do governo seria uma estratégia menos eficiente do que a seleção a posteriori realizada pelo mercado.
Segundo essas interpretações críticas, as estratégias bem sucedidas de política industrial nos países do leste asiático deveriam ser compreendidas como uma exceção. Isso porque foram construídas num contexto cultural específico onde se observa a presença de governos com alta legitimidade perante a população e pouco permeáveis a lobbies e pressões externas que desvirtuariam as políticas.
Entretanto, o trabalho de Juhász, Lane e Rodrik sintetizado nesta Carta traz diversas evidências empíricas de pesquisas internacionais recentes que se contrapõem a esta visão negativa da política industrial.
Como ponto de partida os autores enfatizam que as críticas atribuídas à política industrial são injustas na medida em que são bastante generalistas e que poderiam ser atribuídas a quaisquer políticas públicas.
Em outras palavras, as possíveis falhas de governo apresentadas também podem estar presentes nas políticas de educação e de saúde, na política de assistência social, de infraestrutura e nas políticas econômicas de maneira geral. Mesmo assim, as críticas com relação a estas políticas são muito mais brandas do que com relação à política industrial. Isso porque, na visão dos autores, não há um debate se elas devem ou não existir, mas sim como seria a melhor forma de aumentar suas eficiências.
É a partir desses condicionantes que os autores sintetizam as evidências recentes trazidas pela literatura internacional sobre os efeitos da política industrial. Para tal, identificam o primeiro grande erro das interpretações “ortodoxas” ou “liberais”: essas confundem a política industrial com protecionismo e subsídio a setores não competitivos.
Para Rodrik e seus coautores, tal concepção simplesmente revela um grande desconhecimento do que foi e do que é contemporaneamente a real dimensão da política industrial. Além desta nunca ter sido uma política pautada principalmente pelo protecionismo, nem mesmo no período áureo das décadas de 1960 e 1970, atualmente sua composição é muito mais complexa. Como dito anteriormente, envolve a combinação de inúmeros objetivos e instrumentos, até como forma de atender às exigências da OMC (ver Carta IEDI 1204).
Essa combinação de instrumentos, por sua vez, torna a tarefa de mensuração de seus resultados bastante sujeita a muitos entraves estatísticos. O principal entrave é o fato de que os instrumentos de política tendem a selecionar empresas, setores ou tecnologias com maior probabilidade de apresentarem retornos positivos. Assim, em termos estatísticos, é muito difícil de se estabelecer um ‘contrafactual’ para se avaliar quais foram os reais efeitos da política.
Como não há uma amostra de empresas que permita a sua utilização como ‘grupo de controle’, tal qual ocorre nos experimentos de testes de vacinas e outros medicamentos, não é possível determinar, com certeza, se as empresas incentivadas apresentaram melhor desempenho porque já eram superiores ao grupo de controle ou porque foram beneficiadas pela política.
É nesse contexto que Juhász, Lane e Rodrik (2023) analisam uma nova gama de trabalhos acadêmicos bastante sofisticados que têm o intuito de contornar as limitações expressas nos dois parágrafos anteriores, a saber, a mensuração simultânea de um conjunto complexo de instrumentos ao invés de apenas tarifas protecionistas e o viés de seleção.
A principal conclusão desse conjunto de trabalhos é a de que as políticas industriais têm mostrado um efeito positivo e com impactos consistentes ao longo do tempo para incentivar o nascimento de novas indústrias e tecnologias. Esses resultados podem ser observados em diferentes mensurações nos mais diversos países, setores, regiões e segundo distintos instrumentos de política.
Entre os exemplos apresentados, mostram-se os efeitos positivos da política industrial para o aumento da produtividade e para o aprendizado tecnológico nas indústrias naval (nos EUA, no pós Segunda Guerra Mundial), de máquinas têxteis (na França, no século XIX), química e de máquinas e equipamentos (na Coréia do Sul, nos anos 1970).
A segunda conclusão do conjunto de trabalhos analisados é a de que as políticas públicas de inovação potencializam o P&D privado. Ou seja, observa-se um efeito de complementaridade entre aumento dos gastos públicos em P&D e os gastos privados. Ressalta-se ainda que as políticas de inovação orientadas a Missões, como o projeto Apollo, exerceram impactos na reconfiguração da estrutura produtiva da economia dos EUA, incentivando o desenvolvimento dos setores de eletrônica e comunicações.
A terceira conclusão empírica dos artigos acadêmicos internacionais analisados é a de que as políticas industriais e de inovação voltadas ao desenvolvimento de regiões específicas apresentaram resultados positivos e duradouros ao longo de décadas. Ou seja, contribuíram para modificar as estruturas produtivas regionais, fortalecendo as atividades incentivadas. Os principais exemplos apresentados são de iniciativas no Japão, no Reino Unido e na Itália.
A quarta conclusão apresentada no artigo de Juhász, Lane e Rodrik apresenta um conjunto de evidências que mensuram os resultados positivos de diversas políticas industriais adotadas por países do leste e sudeste asiático. Dentre estas merecem destaque as iniciativas de suporte ao desenvolvimento das indústrias pesada e química na Coréia do Sul e na China e as políticas de fomento ao aprendizado tecnológico a partir do estabelecimento de joint ventures entre capital local e IDE na China e no Vietnã.
A nova política industrial e seus desafios
A retomada da política industrial nos últimos anos se baseou na necessidade de se enfrentar novos desafios da economia global e também de atender demandas de uma sociedade mais complexa e diversa.
Apesar das atividades manufatureiras ainda representarem um papel importante na política industrial, seu protagonismo já não é mais o mesmo. Agora essas políticas devem responder a demandas mais complexas e que transcendem a dimensão estritamente produtiva. É a indústria manufatureira como meio e não como fim em si mesma; e como um sistema e não como um setor.
Merecem destaque, como já observado anteriormente: o imperativo da transição verde, a necessidade de se criar as bases para contornar o encolhimento e a piora do padrão de vida da classe média nos países de alta renda e a busca por construir cadeias de suprimento resilientes às crescentes tensões geopolíticas.
Em paralelo, a nova política industrial ainda deve fomentar a transição para o paradigma da digitalização, também conhecido como indústria 4.0. Para tal, os autores sugerem a necessidade de se repensar as maneiras de formulação e até de implementação destas políticas, conforme sintetizado na tabela a seguir.
A primeira sugestão do artigo de Rodrik e seus coautores nessa direção é a necessidade de se construir políticas baseadas em uma intensa colaboração público-privada. Ou seja, construir políticas que tenham legitimidade entre os diversos stakeholders ao invés de ações baseadas na regulamentação top-down por parte dos governos.
Como principal diretriz para essa ação, as políticas devem se basear na busca pelo binômio autonomia-enraizamento.
Com relação à autonomia, é necessário garantir que os policy makers tenham capacidade de resistir a pressões políticas por parte de lobbies e que tenham capacidade técnica elevada para formularem estratégias que busquem a eficiência no longo prazo.
Já no que diz respeito ao enraizamento, deve-se observar que o processo de formulação dessas estratégias seja pautado pela intensa colaboração com todo o ecossistema de agentes e atores a serem influenciados pela política. Ou seja, esta deve ser fortemente enraizada nas demandas e problemas diagnosticados a partir de canais institucionais permanentemente abertos ao setor privado e ao terceiro setor.
Apesar da dificuldade de se criar uma lógica de formulação e implementação de políticas baseadas nesse binômio, os autores destacam alguns exemplos de sucesso como os casos o funcionamento dos Ministérios e dos grupos executivos nas trajetórias de sucesso nos Tigres Asiáticos e o modelo ARPA nos EUA.
Esse modelo tem como origem a DARPA (Defense Advanced Research Projects Agengy), criada no final dos anos 1950 para contornar o atraso tecnológico americano na corrida militar no contexto da Guerra Fria. A partir do sucesso na corrida militar e do transbordamento de tecnologias da esfera militar para o uso civil (como a internet, GPS, entre outros), o modelo ARPA passou a ser replicado recentemente em outras áreas como energia (ARPA-E em 2009) e ciências da vida (ARPA-H em 2022 no contexto da pandemia).
De maneira geral esse modelo funciona a partir do estabelecimento de uma agência de financiamento a pesquisas altamente inovadoras e promissoras. Como peça central da organização há a figura de um diretor, que é contratado por um período específico de 3 anos para fazer a gestão dos diversos projetos incentivados. Esse diretor em geral não é um burocrata originário do governo, mas sim um professional da academia ou do setor privado.
A partir de uma intensa e contínua rede de colaboração com todos os stakeholders envolvidos são definidos os projetos a serem financiados. O andamento desses projetos é avaliado continuamente e, caso suas metas não estejam sendo cumpridas há uma sinalização amarela (no caso de dificuldades sanáveis com alguma facilidade) ou vermelha (em casos de obstáculos mais graves).
A lógica por trás desse processo é basicamente orientar o fomento a projetos que possam se transformar em soluções aplicadas, em inovações destinadas a resolverem problemas específicos previamente identificados pela agência. Assim, parte-se do princípio de financiar mais a “resolução” do problema do que a tecnologia que o habilita.
É nesse sentido que a busca por soluções amplamente demandadas pela sociedade pode ser um instrumento para aumentar a legitimidade e a eficiência da nova política industrial.
Outra característica da política industrial moderna é o foco na oferta de serviços públicos que aumentem a produtividade, ao invés da antiga ênfase em subsídios. Dentre esses serviços merecem destaque programas de extensionismo que visem aumentar a produtividade de pequenas e médias empresas, o treinamento de mão de obra e investimentos em infraestrutura.
Estudos empíricos mostram que além de serem efetivos para aumentarem a produtividade, esses serviços são muito mais eficientes do que a oferta de subsídios. No caso dos EUA, estimativas mostram que a cada US$ 34.000 gastos em treinamento especializado de mão de obra e serviços de extensionismo, é gerado 1 emprego. Quando o instrumento de política escolhido é o subsídio, esse valor sobe para US$ 196.000 para cada emprego criado.
Entretanto, vale destacar que assim como sugerido pelo modelo ARPA, a definição desses serviços específicos a serem oferecidos deve ser construída coletivamente, a partir da interação contínua entre setor público e privado.
Por fim, o último desafio à nova política industrial apresentado pelo texto é a necessidade de as políticas incorporarem de maneira crescente os serviços. Dado o cenário relativamente generalizado de desindustrialização relativa mesmo em países com parque produtivos competitivos internacionalmente, como Alemanha, Coréia do Sul e Taiwan, a geração de empregos de qualidade é um desafio permanente à nova política industrial.
Neste sentido, dada a crescente relevância dos serviços para a estrutura produtiva e dado o potencial de as tecnologias digitais pouparem mão de obra ao se difundirem, as políticas industriais contemporâneas devem enfatizar as interações entre manufatura e serviços de modo a promover o desenvolvimento do sistema produtivo como um todo.