Carta IEDI
Critérios e Missões para uma Estratégia Industrial Brasileira
Estratégias para o desenvolvimento industrial são a regra e não a exceção no mundo, como vem discutindo o IEDI em muitas de suas divulgações. Faz quase uma década que as grandes potências globais e inúmeros outros países voltaram a adotar explicitamente políticas para promover a digitalização e, cada vez mais, a sustentabilidade de suas estruturas produtivas. A pandemia e as tensões geopolíticas tendem a acelerar esta tendência.
No Brasil, estamos atrasados nesta agenda. Embora venha se reduzindo o número de opositores a uma estratégia industrial brasileira, dados os vários exemplos internacionais, ainda há ruídos remanescentes a respeito do propósito deste tipo de política, de seus prerrequisitos e dos instrumentos a serem empregados.
O IEDI vem estimulando a troca de ideias e o diálogo entre diferentes agentes sociais com o intuito de reduzir divergências a respeito da implementação no Brasil de estratégias para o desenvolvimento industrial e identificar as condições essenciais para estas estratégias, considerando especialmente as iniciativas vigentes ao redor do mundo.
A Carta IEDI de hoje, que inaugura mais uma sequência de divulgações com ideias e sugestões para uma nova estratégia industrial para o Brasil, sintetiza estudo realizado pelo economista João Emílio Gonçalves, ex-superintendente de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria – CNI, a pedido do Instituto. Além de elucidar alguns conceitos para facilitar o debate, o autor sugere eixos a partir dos quais uma estratégia industrial brasileira poderia ser desenhada.
No que consiste uma estratégia industrial? Gonçalves lembra que a literatura econômica apresenta diversas definições, mas que seu conceito evoluiu de formulações mais abrangentes para formulações mais específicas e precisas.
Atualmente, trata-se de uma atuação focada do Estado para promover o aumento da produtividade da economia e a transformação estrutural da indústria, em direção a produtos com maior valor agregado (em função de atividades de P&D, qualidade, design e marketing, por exemplo) e produzidos por meio de processos mais eficientes (em razão da utilização de melhores técnicas de gestão e de investimentos em tecnologias mais modernas, a exemplo da Indústria 4.0) e mais sustentáveis.
Assim, por meio de estratégias industriais, os países buscam promover a modernização de suas estruturas produtivas e com isso impulsionar o seu desenvolvimento socioeconômico. Em outros termos, têm objetivos que vão além de resultados conjunturais, isto é, “de mais do mesmo”. Nada mais distante desta definição, portanto, do que a noção de um conjunto de incentivos destinados a preservar setores e empresas ineficientes.
O que estratégias industriais não são ou não devem ser? Gonçalves enfatiza alguns aspectos que não pertencem à lógica de uma verdadeira estratégia de desenvolvimento industrial e que acabam prejudicando o debate no Brasil. São eles:
1. Política industrial não é uma “política para a indústria”. O setor industrial é um meio, um destacado vetor do desenvolvimento socioeconômico do país por sua importante contribuição à inovação, produtividade, geração de empregos qualificados, arrecadação de impostos etc.
2. O objetivo de uma estratégia industrial não é compensar os problemas sistêmicos de competitividade que caracterizam o Custo Brasil, por isso deveria vir acompanhada de ações em prol da competitividade e da melhoria do ambiente de negócios.
3. A política industrial não é sinônimo de protecionismo ou da preservação de empresas ineficientes; seu objetivo, como visto anteriormente, é promover novas tecnologias, novos modelos de negócios, agregação de valor, impulsionar a produtividade, o que torna dispensáveis e até mesmo contraproducentes ações protecionistas.
Ações horizontais ou verticais? Para Gonçalves, trata-se de uma falsa dicotomia. O autor lembra que a literatura econômica já mostrou que políticas horizontais não são setorialmente neutras, dada a diversidade dos setores quanto à intensidade de capital, de trabalho, de P&D, à organização das cadeias etc.
Por outro lado, políticas verticais não são, necessariamente, políticas setoriais, como afirma Dani Rodrik, professor da Universidade de Harvard e especialista do tema, para quem as medidas verticais devem focar atividades e/ou tecnologias específicas na busca por soluções a problemas específicos da sociedade.
A noção de “focalização” que caracteriza as políticas verticais, bem aceita na área das políticas sociais por conjugar a eficiência do gasto público com a maximização do resultado esperado da política, se aplica igualmente no caso da política industrial, argumenta Gonçalves.
Como reforçar o papel social e dar maior legitimidade às estratégias industriais? Gonçalves enfatiza os programas “orientados a missões”, que tem como ponto de partida a definição de desafios contemporâneos da sociedade, cuja superação demanda a assunção de riscos pelo Estado e o estímulo à inovação por meio do engajamento de múltiplas áreas de conhecimento, diferentes setores e diferentes atores públicos e privados.
O foco na geração de ganhos tangíveis em temas relevantes para as pessoas é um ponto central para envolver a sociedade e dar legitimidade às políticas orientadas por missões. Segundo o autor, trata-se de um elemento ausente em muitas iniciativas que, em geral, acabaram vistas como mero favorecimento de grupos de interesse e não conquistaram apoio nem da sociedade nem dos órgãos do governo não diretamente ligados à sua formulação.
O autor identifica algumas missões em torno das quais estratégias industriais modernas poderiam ser desenhadas e implementadas. Aponta também alguns critérios que ajudariam a dar maior transparência, coordenação e efetividade a estas estratégias em comparação com políticas anteriormente adotadas no país.
Missões brasileiras no contexto atual poderiam envolver soluções em áreas como:
• Produtividade industrial. Uma missão poderia ser reduzir em 50% o gap de produtividade em relação à média da OCDE em um período de tempo razoável, lançando mão de metodologias existentes, como o Programa Brasil Mais, em uma escala maior, ainda que com alguma focalização. Outra missão: fomentar a adoção de tecnologias digitais voltadas ao aumento da produtividade em pequenas e médias empresas.
• Habitação. Uma missão que poderia envolver toda a cadeia produtiva da construção em uma agenda que promovesse a maior “industrialização da construção”, avançando em modelos como o BIM (Building Information Modeling), estimulando inovações para reduzir custos e prazos de construção de moradias e endereçando questões ligadas ao financiamento e à tributação do setor.
• Ampliação do acesso à saúde. A missão nesta área pode levar a desenvolvimentos nas áreas de TICs, equipamentos médicos e serviços ligados ao conceito de Saúde 4.0, tecnologias aplicadas à logística, entre outras.
• Redução das emissões de gases de efeito estuda. Uma missão que olhe para o imperativo da transição energética deveria contemplar a área de transportes e atividades relevantes na geração de emissões, considerando a competência acumulada pelo Brasil em biocombustíveis.
Outras missões mencionadas envolvem a mobilidade urbana, eficiência energética não apenas de transportes, mas também da indústria e da agropecuária, o combate ao desmatamento etc.
Assim como o IEDI sempre defendeu, Gonçalves também argumenta que uma estratégia industrial de sucesso deve ter objetivos claros e ser transparente e que as medidas implementadas devem ter metas, contrapartidas e temporalidade definidas, monitoradas e avaliadas periodicamente. Com isso em mente, João Emílio Gonçalves apresenta recomendações para uma futura política industrial brasileira:
• Estabelecer princípios norteadores que estejam alinhados com o conceito de política industrial, respeitem o imperativo da sustentabilidade e assegurem competitividade internacional.
• Aprimorar a governança e a gestão, para permitir melhor coordenação entre os diversos órgãos públicos responsáveis pela política e, a partir daí, facilitar a interação com o setor privado. O Brasil já experimentou distintos mecanismos para promover a articulação necessária, como o CNDI – Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, cuja efetividade variou ao longo do tempo, em função da prioridade que o governo atribuía ao colegiado. Gonçalves sugere criar um órgão similar ao Conselho Nacional de Economia (NEC) dos EUA.
• Estabelecer prioridades e evitar a dispersão de iniciativas. Sugestões de ações apresentadas não devem ser incorporadas sem um exercício rigoroso para avaliar a contribuição efetiva de cada uma delas para o atingimento dos objetivos e da própria capacidade de executá-las individualmente e em conjunto com as demais ações.
• Promover a interação com o setor privado. Se um dos principais objetivos da política é induzir o setor privado a investir e assumir riscos, é fundamental que a etapa de planejamento disponha de um ambiente de interação público-privado capaz de trocar informações, identificar prioridades, elaborar e testar diagnósticos, validar a eficácia de instrumentos e pactuar contrapartidas.
• Estabelecer instrumentos transitórios e coerentes com os objetivos definidos. Dois riscos devem ser evitados: desenhar instrumentos que não possam ser removidos quando não forem mais necessários ou caso não estejam surtindo os efeitos esperados; e descontinuar instrumentos que estão funcionando adequadamente e, com isso, prejudicar as empresas que decidiram investir e correr riscos acreditando em um compromisso de longo prazo do governo.
Uma nova abordagem para a política industrial
Na última década, em um contexto de acirramento da competição internacional e rápida mudança tecnológica, diversos países anunciaram estratégias de política industrial bastante explícitas com o objetivo de fomentar o desenvolvimento tecnológico e a incorporação de tecnologias pelas suas indústrias.
O IEDI tem acompanhado este movimento, dedicando algumas de suas Cartas a este tema, como por exemplo: Carta IEDI n. 860 “Estratégias Nacionais para a Indústria 4.0” de jul/18; n. 964 “Experiências recentes de políticas de suporte à inovação segundo a OCDE”, de dez/18; n. 1083 “O Plano de Modernização Produtiva do Governo Biden”, de mai/21; n. 1132 “Política Industrial e Desenvolvimento Sustentável no Mundo Pós-Covid-19”, de mar/22; e n. 1154 “Indústria e Disputas Geopolíticas”, de ago/22, entre várias outras edições.
A Carta IEDI de hoje sintetiza estudo realizado pelo economista João Emílio Gonçalves, ex-superintendente de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria – CNI, a pedido do Instituto. Além de elucidar alguns conceitos para facilitar o debate, o autor sugere eixos a partir dos quais uma estratégia industrial brasileira poderia ser desenhada.
A divulgação sem disfarces semânticos de planos de política industrial pelas nações mais desenvolvidas, argumenta o autor do estudo, é clara demonstração de que elas compreendem as consequências de longo prazo de ficar para trás na corrida tecnológica com outras potências.
Mais recentemente, a urgência ambiental se somou a estas motivações e tem o potencial de se tornar o principal direcionador da política industrial globalmente. Os desafios colocados para a indústria no combate à mudança climática vão desde o desenvolvimento de soluções para descarbonizar os processos industriais (o que pode envolver melhorias de processos, substituição de fontes energéticas e desenvolvimento de novas materiais) até inovações para viabilizar a descarbonização dos demais setores (e.g. transporte e energia).
Este “renascimento” da política industrial foi bem documentado pela UNCTAD em estudo que revela que, entre 2013 e 2018, pelo menos 84 países, responsáveis por cerca de 90% do PIB mundial, adotaram estratégias formais de política industrial, conforme discutido na Carta IEDI n. 881 “Estratégia industrial é regra e não exceção no mundo”.
A importância da política industrial como parte do conjunto de políticas necessárias para promover o desenvolvimento econômico e social foi destacada em estudo de 2019 do FMI que leva o sugestivo título de “The return of the policy that shall not be named: principles of industrial policy”, igualmente discutido pelo IEDI na Carta n. 925 “Critérios de uma política industrial de sucesso”, de mai/19.
De acordo com o estudo, as evidências empíricas mostram que as chances de países de renda baixa e média atingirem o status de alta renda são raras: entre 1970 e 2014, apenas 13 economias alcançaram tal feito. À exceção dos quatro que o estudo denomina “milagres asiáticos”, todos os demais alcançaram o nível de alta renda ou por meio da descoberta de grandes quantidades de petróleo (Aruba, Guiné Equatorial e Oman) ou pelos benefícios de entrarem na União Europeia (República Tcheca, Estônia, Irlanda, Portugal, Eslovênia e Espanha).
A conclusão dos pesquisadores do FMI, analisando as políticas praticadas pelos quatro países asiáticos de sucesso, é que “não se pode ignorar o papel proeminente da política industrial no seu desenvolvimento”.
Isso se deve ao fato de que fatores como falhas de mercado, presença de economias de escala, aprendizado e cumulatividade do progresso técnico criam barreiras à entrada que dificultam o avanço da economia em direção a atividades com maior produtividade.
O peso desses fatores é maior para países em desenvolvimento, nos quais falhas de mercado tendem a se manifestar com maior intensidade e, nessas condições, o livre funcionamento dos mercados não é suficiente para promover (muito menos para acelerar) a transformação estrutural, fato que se agrava em um contexto no qual os países desenvolvidos aperfeiçoam permanentemente as suas próprias políticas industriais.
Deste modo, na ausência de políticas industriais que promovam a transformação estrutura e o aumento da produtividade, a tendência é que a economia se especialize em atividades tradicionais, ligadas às suas vantagens comparativas reveladas, cujo potencial de ganho de produtividade é declinante quando comparado ao de atividades mais sofisticadas.
Enquanto, no mundo desenvolvido, observa-se o fortalecimento de uma visão pragmática em relação à política industrial e seus instrumentos, no Brasil o debate segue aprisionado em uma disputa ideológica com foco em experiências passadas, marcado pelo antagonismo entre seus apoiadores e opositores. Com isso, frequentemente observa-se uma polarização entre a defesa de nenhuma política industrial ou de políticas que foram realizados em contextos históricos e econômicos diferentes do atual.
Esta situação, segundo João Emílio Gonçalves, leva à interdição do debate no Brasil e nos impede de discutir e implementar políticas industriais modernas, com instrumentos similares aos empregados, com sucesso, por outros países.
Em larga medida, as controvérsias sobre a política industrial decorrem de uma compreensão equivocada sobre o seu conceito, ainda segundo Gonçalves. Esta incompreensão faz com que seus críticos e muitos dos seus defensores se baseiem em ideias vagas e, frequentemente, equivocadas sobre o papel, a razão de ser e as possíveis forma de executar uma política industrial contemporânea alinhada com as melhores práticas internacionais.
Nesse contexto, a discussão se dá muito mais em termos de “ter ou não ter política industrial” do que em termos de “como planejar e executar uma política industrial eficaz”, como ocorre atualmente no restante do mundo.
O que deve ser a política industrial
Em função do acúmulo de décadas de controvérsias a respeito da política industrial e da corrosão da sua reputação ao longo do tempo, parece útil definir o que uma política industrial contemporânea é (ou o que ela deveria ser).
A literatura econômica apresenta diversas definições de política industrial. De modo geral, as abordagens sobre o conceito de política industrial evoluíram de formulações mais abrangentes para formulações mais específicas e precisas.
Entre as mais abrangentes estão aquelas que definem a política industrial como qualquer ação do Estado que afete a indústria (Donges, 1980, apud Mendonça Jorge, em “Política Industrial: Estrutura Conceitual e Análise dos Desafios Frente À Globalização e à Mudança Tecnológica”, 1998). Formulações com esse nível de generalidade acarretam alguns problemas.
Em primeiro lugar, se considerarmos todas as ações do governo capazes de afetar a indústria direta ou indiretamente, fica praticamente impossível delimitar o espaço de atuação da política industrial. Tudo poderia ser englobado dentro dela: políticas ligadas à melhoria do ambiente de negócios, às áreas fiscal, monetária, financiamento, ciência, tecnologia e inovação, educação, infraestrutura, saúde e, até mesmo, políticas na área da cultura, considerando as indústrias criativas.
Outro problema é que uma definição geral como essa não diz nada sobre o tipo de efeito que a política deve produzir na economia e permite a interpretação de que o objetivo finalístico da política industrial é apenas beneficiar a indústria.
Formulações mais recentes tornaram o conceito de política industrial mais específico. Pack e Saggi (2006) por exemplo, consideram como política industrial “qualquer tipo de intervenção seletiva ou política de governo que busque alterar a estrutura setorial da produção no sentido de setores que ofereçam melhores perspectivas para o crescimento econômico do que ocorreria na ausência de tal intervenção, i.e, em equilíbrio de mercado”. Rodrik (2008) a define como “políticas para estimular atividades econômicas específicas e promover a transformação estrutural”.
Ambas trazem a ideia de especificidade/seletividade e de mudança estrutural, relevantes para compreender as políticas industriais modernas. A formulação de Pack e Saggi, contudo, traz a ideia de que a política industrial busca, necessariamente, a alteração da composição setorial da economia. Trata-se de uma restrição desnecessária e inadequada, pois exclui do rol de objetivos da política industrial um amplo conjunto de inovações – de produto, processo e modelo de negócio – que podem levar ao aumento de produtividade sem, necessariamente, alterar a participação dos diferentes setores.
Gonçalves, em sua tese de doutoramento em 2016, sugere que a política industrial seja conceituada como “a atuação focada do Estado para promover a transformação da estrutura industrial e o aumento da produtividade da economia.”
Estabelecer a transformação estrutural e o aumento da produtividade como objetivos da política industrial significa que o que se produz e de que forma (i.e. com quais tecnologias, com qual exigência de qualificação dos trabalhadores) importa.
Cabe esclarecer o sentido que se pretende dar à expressão “transformação estrutural”, a qual, para o autor, contempla as dimensões intrasetorial e intrafirma.
Dentro de um mesmo setor, é possível ter produtos com maior valor agregado (em função de atividades de P&D, qualidade, design e marketing, por exemplo) e produzidos por meio de processos mais eficientes (em razão da utilização de melhores técnicas de gestão e de investimentos em tecnologias mais modernas, a exemplo da Indústria 4.0) e mais sustentáveis.
Assim, mudanças que alterem o perfil das atividades produtivas dentro dos setores e promovam o aumento da produtividade devem ser encaradas como estruturais e, consequentemente, devem ser objeto da política industrial, em contraposição a objetivos que poderiam ser classificados como conjunturais
Ou seja, a política industrial não visa simplesmente estimular o crescimento da produção industrial, que pode ser obtido, por exemplo, por meio de medidas de estímulo ao consumo que não promovam a agregação de valor e/ou de tecnologia à produção.
Em última análise, estabelecer a transformação estrutural e o aumento da produtividade como foco da política industrial equivale a dizer que o seu objetivo é promover a mudança. Nada mais distante desta definição, portanto, do que a noção de um conjunto de incentivos destinados a preservar setores e empresas ineficientes.
O emprego da expressão “atuação focada” no conceito de política industrial, por sua vez, significa que a política industrial, para ser eficaz, deve ter objetivos claros e atuar com os instrumentos necessários e suficientes para alcançar os resultados pretendidos. De forma análoga, é fundamental que a política seja seletiva também sobre o seu público-alvo (atividades, empresas etc.) que deve ser capaz de responder à política da forma esperada.
O espaço de atuação da política industrial e complementaridade com outras políticas
A ênfase na mudança estrutural e no aumento da produtividade também estabelece uma linha divisória entre o espaço de atuação da política industrial e de outras políticas voltadas à melhoria do ambiente de negócios e à superação do conjunto de problemas sistêmicos englobados no conceito de “Custo Brasil”.
Delimitar a área de atuação da política industrial não significa que ela seja independente das demais políticas de competitividade. Pelo contrário, elas são complementares e é essencial que sejam coordenadas, pois a melhoria das condições de competitividade da economia é essencial para criar as bases para a operação eficaz da política industrial.
Na ausência de políticas macroeconômicas que estimulem o investimento, por exemplo, a missão da política industrial de promover inovações é muito mais difícil e requer instrumentos muito mais potentes do que seria necessário em um ambiente de negócios mais saudável.
A análise de experiências internacionais de política industrial revela que os países mais bem-sucedidos são aqueles capazes de combinar, de modo harmônico e coordenado, políticas verticais, horizontais e macroeconômicas, de modo que elas se reforcem mutuamente para estimular o desenvolvimento por meio da maior e melhor inserção internacional e de inovações que gerem o desenvolvimento de novas competências e a produção de bens e serviços com maior conteúdo tecnológico e valor agregado.
A falta de consenso em torno de um conceito claro de política industrial que estabeleça seus objetivos e seu espaço de atuação é, em parte, responsável pela utilização de instrumentos de política industrial para compensar problemas sistêmicos que afetam a competitividade do país.
Assim, ao invés de adotar políticas capazes de eliminar tais problemas, o governo vem tentando, ao longo dos anos, contorná-los. É o que ocorre, por exemplo, quando o governo concede desonerações tributárias para contornar problemas que deveriam ser resolvidos por meio de uma reforma tributária.
Ao mesmo tempo, segmentos do setor produtivo, pressionados por condições de competitividade desvantajosas disputam a aplicação vertical (a setores e/ou empresas específicas) de medidas que deveriam ter alcance horizontal. Esta “verticalização de políticas horizontais” é uma anomalia da política industrial brasileira, pois não altera as condições globais da economia e traz o agravante de aumentar a complexidade do ambiente de negócios (CNI, 2019).
O fato de que o próprio Estado brasileiro demonstra não ter uma compreensão homogênea sobre o conceito de política industrial favorece esta distorção, mas há casos em que usar instrumentos de política industrial para pegar atalhos parece conveniente para gerar resultados de curto prazo.
CNI (2019) complementa a análise citando uma segunda anomalia na política industrial brasileira, descrita como a horizontalização de políticas verticais: “instrumentos de política industrial tipicamente verticais são aplicados uniformemente a todos os setores, ignorando a natureza seletiva e estratégica que a política industrial deve ter”.
As duas anomalias citadas, aliadas à falta de metas e mecanismos adequados de avaliação e monitoramento, além de distorcerem a política industrial brasileira, alimentam críticas de que políticas industriais não funcionam.
Na prática, contudo, ao adotar o conceito proposto nesse documento, políticas compensatórias e/ou protecionistas não deveriam sequer receber o rótulo de política industrial, haja vista que não objetivam nem a transformação estrutural nem o aumento da produtividade.
Outras motivações para a política industrial
Crespi et alii (2014) sugerem que a política industrial pode ser classificada como “construtiva” ou “defensiva”, a depender da sua motivação. As políticas construtivas se assemelham ao conceito de política industrial defendido neste documento.
Políticas defensivas, por outro lado, teriam como finalidade proteger a estrutura industrial do país de choques temporários (i.e. crises econômicas) com o objetivo de evitar a perda de capacidade produtiva cujo custo de reconstrução tende a ser muito alto.
Políticas de natureza defensiva, ainda que não sejam capazes de promover a transformação estrutural, têm o objetivo de preservar avanços já conquistados, evitando um retrocesso produtivo que empurre a economia para atividades de menor produtividade. Não se trata, portanto, da adoção de medidas de proteção a setores tradicionais de baixa produtividade, cujo efeito seria retardar ou impedir a mudança estrutural.
Ainda assim, para fins de monitoramento e avaliação transparentes, seria mais adequado classificar tais políticas como políticas de sustentação da renda ou políticas de sustentação da produção e do emprego.
Outra situação diz respeito a políticas cujo objetivo principal é induzir a produção local de bens e insumos críticos. No caso do combate à COVID-19, ganhou força, no Brasil e no exterior, a visão de que o país precisa dispor de capacidade local de produção de bens necessários em caso de crises de saúde pública. Os exemplos incluem máscaras, seringas, respiradores, vacinas, entre outros.
A crise também despertou, em diversos países, a preocupação com a dependência de insumos estratégicos, como semicondutores, levando países a reavaliarem a segurança de suas cadeias produtivas, conforme discutido na Carta IEDI n. 1154 “Indústria e Disputas Geopolíticas”.
Mais recentemente, o conflito Rússia-Ucrânia evidenciou a preocupação para a dependência do Brasil de importações de fertilizantes e matérias-primas para a sua fabricação, inspirando propostas para desenvolver a fabricação local que remetem ao conceito de substituição de importações.
No caso, estariam em jogo a segurança do abastecimento para uma atividade com grande peso na economia brasileira e possíveis impactos inclusive na segurança alimentar. No limite, a produção de produtos para a saúde e de insumos para a agricultura poderia ser enquadrada como relevante para a segurança nacional.
Nesse caso, é possível identificar duas situações distintas: se a busca do objetivo de garantir a segurança nacional envolve a criação de novas capacidades produtivas, o desenvolvimento e a adoção de novas tecnologias, aplicadas a novas atividades com alta produtividade, faz sentido falar em políticas industrial.
Se, contudo, a busca da segurança nacional se dá por meio de incentivos a atividades tradicionais que não resultam no desenvolvimento/incorporação de novas tecnologias nem em ganhos de produtividade, João Emílio Gonçalves defende que a política não deve ser classificada como política industrial.
O caso do “Buy American” e suas derivações é ilustrativo a esse respeito, segundo o autor. Foram criados, essencialmente, como instrumentos de políticas de segurança nacional, para garantir a capacidade de produção de insumos estratégicos para o setor de defesa americano ou políticas de sustentação da atividade econômica. Se não vierem associados a diretrizes de apoio à incorporação de novas tecnologias, não devem, portanto, ser avaliados como instrumentos de política industrial, pois não objetivam intrinsecamente a mudança estrutural nem o aumento da produtividade.
João Emílio Gonçalves observa que não há atribuição de juízo de valor às políticas abordadas nesta seção. Políticas do tipo defensivo, como definidas em Crespi et alii são fundamentais para evitar que crises econômicas como as de 2008 e a da COVID-19, para citar exemplos recentes, resultassem no fechamento de empresas e na destruição de empregos que teriam consequências econômicas e sociais indesejáveis. Da mesma forma, políticas praticadas com base no princípio de segurança nacional também tem sua legitimidade.
A questão, defende Gonçalves, é a necessidade de rigor conceitual para tratar de forma distinta políticas que têm objetivos bastante diferentes, de modo que seus resultados possam ser avaliados no contexto correto.
Objetivos e instrumentos de política industrial
No debate sobre política industrial no Brasil, na visão de João Emílio Gonçalves, é comum assistirmos à discussão sobre instrumentos antes de se definirem estratégia e objetivos. Trata-se de uma inversão da lógica que deve orientar o planejamento da política industrial, pois a escolha dos instrumentos deve ser consequência da estratégia de política industrial e de suas ambições.
Há, na literatura, propostas de taxonomia das políticas que afetam a competitividade com base no tipo de instrumento empregado e no seu grau de transversalidade. A figura a seguir esquematiza esta abordagem, que divide as políticas em “intervenções no mercado” e “provisão de bens públicos”, que podem ser aplicadas de forma horizontal ou vertical.
As formas como esses atributos se combinam resultam na classificação das políticas como política industrial leve ou política industrial pesada, sendo essa última associada a intervenções que distorcem preços relativos. Já a provisão horizontal de bens públicos (quadrante superior esquerdo) é classificada como política de competitividade. Nesta categoria estão políticas de melhoria do ambiente de negócios, políticas voltadas à educação básica, entre outras.
Essa classificação é útil para indicar que alguns instrumentos têm impacto maior do que outros no mercado. É preciso cautela, contudo, para não estabelecer uma hierarquia entre eles, nem para inferir que políticas leves são melhores do que políticas pesadas ou vice-versa, observa João Emílio Gonçalves. Tudo depende da estratégia da política industrial, dos objetivos pretendidos e dos desafios envolvidos para o alcance destes.
Atividades inovadoras com risco tecnológico, por exemplo, tipicamente são apoiadas por meio de subsídios, seja na forma de financiamento não-reembolsável, seja na forma de benefícios fiscais ligados a investimentos em P&D&I.
O desenvolvimento de energias renováveis, com evidentes externalidades ambientais, é um bom exemplo de como os instrumentos devem ser escolhidos em função da ambição da política. Normalmente, novas fontes de energia têm custos superiores às fontes tradicionais. Com o tempo, em função da evolução tecnológica e do aumento da escala, muitas delas se tornaram competitivas, mas o desenvolvimento inicial jamais teria sido possível sem o emprego de instrumentos que alterassem os preços relativos.
Nesse contexto, defender que a política industrial não empregue subsídios ou subvenções implica que a política será pouco ambiciosa na promoção da inovação ou estabelecerá metas que não contarão com os instrumentos necessários para cumpri-la.
Políticas verticais e horizontais: uma falsa dicotomia
Outra controvérsia na discussão sobre instrumentos é a preferência pela sua aplicação de forma horizontal ou vertical. João Emílio Gonçalves afirma tratar-se de uma falsa dicotomia, pois políticas verticais e horizontais não são substitutas umas das outras.
Segundo o autor, a transversalidade da política deve ser definida a partir dos seus objetivos e é possível que a melhor resposta de política envolva a combinação de instrumentos verticais e horizontais.
Argumentos em defesa de políticas horizontais se baseiam na ideia de neutralidade, mas, na prática, em uma economia com estrutura produtiva diversificada, mesmo as políticas horizontais tendem a afetar os diversos setores de forma assimétrica.
Crespi et alii (2014) citam como exemplo políticas para desenvolver a indústria de capital de risco, que tendem a beneficiar desproporcionalmente setores intensivos em tecnologia, como TICs, que utilizam este tipo de financiamento de forma mais intensiva.
Na mesma linha, Dani Rodrik (2008), professor da Universidade de Harvard, comenta que medidas de depreciação acelerada favorecem atividades capital-intensivas e discriminam contra atividades intensivas em mão-de-obra. Mesmo a adoção de medidas horizontais, portanto, exige que o Estado faça escolhas (Hausmann e Rodrik, 2006).
O fato é que a busca por soluções para problemas específicos muitas vezes exige políticas específicas e focadas em uma determinada tecnologia ou atividade. Por exemplo, uma política que tenha como objetivo promover a exploração sustentável da bioeconomia na Amazônia requer o desenho de instrumentos adequados às características únicas da região, da sua população e do estágio de desenvolvimento produtivo e tecnológico da produção. Pode envolver a criação de produtos financeiros específicos, medidas regulatórias e, eventualmente, a criação de infraestruturas públicas locais. Todas, portanto, políticas com características verticais.
A noção de focalização, bem aceita na área das políticas sociais por conjugar a eficiência do gasto público com a maximização do resultado esperado da política, se aplica igualmente no caso da política industrial, argumenta Gonçalves.
Por fim, vale ressaltar que políticas verticais não são, necessariamente, políticas setoriais. Rodrik (2004) defende que a política não deve ser focada em setores, mas nas atividades e/ou tecnologias específicas que se deseja desenvolver. O apoio a um setor, por outro lado, tende a beneficiar todas as atividades dentro deste, possibilitando que parte destas receba apoio do Estado ainda que continue produzindo os mesmos bens/serviços da mesma forma. Assim, ao invés de promover a mudança, a política pode acabar desestimulando a transformação estrutural e o aumento da produtividade.
O que a política industrial não deve ser/fazer
Para evitar a perpetuação de mal-entendidos, além da proposição de um conceito para a política industrial, João Emílio Gonçalves identifica aquilo que uma política industrial moderna não deve ser:
1. A política industrial não deve ser uma mera política para a indústria.
Para cumprir sua missão, a política industrial não deve ser entendida (nem planejada e executada) como uma “política para a indústria”, que tenha como objetivo finalístico gerar benefícios para um determinado segmento produtivo.
Ela deve ser vista como um meio para promover o desenvolvimento econômico e social do país, considerando a capacidade que o desenvolvimento industrial tem de contribuir com o aumento da produtividade da economia como um todo e de propiciar a geração de empregos mais produtivos e, consequentemente, mais bem remunerados.
2. A política industrial não deve ser empregada para compensar os problemas sistêmicos de competitividade que caracterizam o Custo Brasil.
Como comentado em seção anterior, a política industrial deve ser pensada e executada de forma complementar às demais políticas de competitividade, mas não se confunde com estas.
Tentativas de utilizar instrumentos de política industrial para compensar deficiências sistêmicas da economia costumam resultar em soluções imperfeitas e, muitas vezes, acabam por aumentar as distorções da economia e piorar o ambiente de negócios.
Neste cenário, é indispensável que, em paralelo com uma agenda de política industrial que olhe para o futuro, o país avance com uma agenda ampla de competividade cuja prioridade é a reforma tributária.
3. A política industrial não deve ser protecionista.
O objetivo da política industrial é promover a mudança por meio do estímulo à incorporação de novas tecnologias a produtos e processos, à agregação de valor e ao desenvolvimento de novos modelos de negócios. Nada mais distante, portanto, da ideia de proteção a empresas ineficientes que impeça a mudança estrutural e não estimule ganhos de produtividade.
A busca da competitividade é um atributo fundamental da política industrial e, nesse contexto, é fundamental que ela leve em consideração a capacidade de exportar e que estimule níveis adequados de competição no mercado interno.
Uma estratégia transparente e bem-definida de política industrial deveria se converter em um mecanismo para reduzir o protecionismo, pois novas medidas de política precisariam demonstrar seu potencial para promover a transformação estrutural e o aumento da produtividade.
Política industrial orientada a missões
O conceito de política orientada à missão está ligado à ideia de que o Estado pode ter um papel de protagonista no processo de desenvolvimento econômico ao direcionar os instrumentos de política pública para a solução de grandes desafios ou necessidades da sociedade.
De acordo com Mariana Mazzucato, no trabalho “Mission Economy: A Moonshot Guide to Changing Capitalism”, de 2021, a principal proponente do conceito de políticas orientadas à missão: “to think in a mission-oriented way (…) requires rethinking the role of government in the economy, putting purpose first and solving problems that are important to citizens. It means transforming government from being merely an ‘enabler’ or even a ‘stifler’ of innovation to becoming the engine of innovation.”
O exemplo mais célebre de política orientada a missões é o Projeto Apollo, dos EUA, cujo objetivo era levar o homem à lua e, para isso, exigiu, em curto espaço de tempo, gigantescos investimentos em P&D&I que resultaram em inúmeros desenvolvimentos produtivos, científicos e tecnológicos e, como consequência destes, na criação de empregos de qualidade e bem remunerados. A NASA, Agência Espacial dos EUA, lista 20 invenções que não existiriam sem as viagens espaciais (https://www.jpl.nasa.gov/infographics/20-inventions-we-wouldnt-have-without-space-travel)
Mazzucato afirma que um dos mais importantes spillovers do projeto Apollo foi a formação de um grande número de pessoas altamente qualificadas que abasteceram a indústria americana de TI nas décadas seguintes.
Políticas orientadas a missões tem seu ponto de partida na definição de desafios da sociedade, cuja superação demande a assunção de riscos pelo Estado e o estímulo à inovação por meio do engajamento de múltiplas áreas de conhecimento, diferentes setores, e diferentes atores públicos e privados.
O foco na geração de ganhos tangíveis em temas relevantes para as pessoas é um ponto central dessas políticas, visto como fundamental para dar legitimidade à política e envolver a sociedade. Trata-se de um elemento ausente de muitas iniciativas de desenvolvimento industrial que, em muitos casos, acabam vistas como políticas para favorecer grupos de interesse e não conquistam apoio nem da sociedade nem dos órgãos do governo não diretamente ligados à sua formulação.
Em um contexto de restrição fiscal e múltiplas necessidades da sociedade não atendidas, o conceito de missão pode contribuir para resgatar a ligação entre a política industrial e o desenvolvimento econômico e social e, como consequência disso, entre o desenvolvimento industrial e a melhoria da vida das pessoas.
Concretamente, o conceito de política orientada à missão envolve estabelecer um objetivo ambicioso cuja superação envolva o Estado, o setor produtivo e a academia em um conjunto de projetos multidisciplinares desafiadores.
O papel do Estado se justifica não só pelo pela função de indicar e priorizar objetivos, mas também para viabilizar e promover investimentos, pesquisas e inovações que de outra forma os agentes privados não fariam, inclusive atuando em falhas de coordenação.
Um aspecto enfatizado pela autora na lógica das políticas orientadas a missões diz respeito às escolhas que o Estado deve fazer. A essência do conceito de missão envolve, inicialmente, a escolha de desafios que devem ser superados.
A questão relevante é estabelecer o escopo desta escolha, que deve focar no problema a ser resolvido e na direção a ser tomada, ao invés do “quem” e do “como”. Ou seja, uma vez definido o problema, a política deve adotar uma abordagem suficientemente aberta para permitir que diferentes atores possam oferecer múltiplas soluções.
Em outros termos, a formulação do desafio deve assegurar que diferentes projetos possam cooperar ou concorrer para alcançar os objetivos estabelecido. Vale destacar que a política não nasce da escolha dos setores. Ao contrário, quais setores serão envolvidos é uma consequência do problema colocado e das soluções que se mostrarão mais viáveis.
É o oposto, portanto, de uma política rígida e centralizada que pré-selecione os vencedores, que limitaria a inovação já no ponto de partida.
A análise da experiência recente do Brasil com o planejamento e execução de políticas industriais permite antever alguns desafios. Ainda que não sejam questões exclusivas das políticas orientas à missão, a necessidade de coordenação de múltiplos atores para lidar com problemas complexos pode reforçar a importância desses desafios:
i. Gestão e governança
Tão importante quanto a coordenação público-privada é a coordenação intergovernamental. A execução de missões muitas vezes exige a cooperação de diferentes órgãos ligados ao Estado, o que demanda modelos de coordenação e governança para assegurar que diferentes instituições atuem tempestivamente em uma mesma direção.
Experiências brasileiras recentes mostram que os Ministérios e Agências que não lideram essas ações tendem a se envolver com menor intensidade no seu planejamento e execução, prejudicando ou até mesmo inviabilizando o seu desenvolvimento.
ii. Inovações institucionais e instrumentos de política
A depender do nível de ambição das missões, novos instrumentos podem ser necessários e, junto com eles, novas abordagens relacionadas à forma de lidar com o risco (e.g. em produtos financeiros e compras públicas).
Mazzucato, em “Mission Economy: A Moonshot Guide to Changing Capitalism", defende a importância de que o setor público seja visto como um investidor de primeira hora, ao invés de um emprestador de última instância em um contexto no qual o investimento público possa promover o crowding-in do investimento privado e ampliar o efeito multiplicador.
iii. Previsibilidade e segurança jurídica
Recomendações de boas práticas para políticas industriais destacam a importância de que as medidas tenham prazo definido, principalmente quando envolvem alguma espécie de incentivo, dado que, posteriormente, pode ser difícil remover medidas anunciadas como temporárias, independentemente de avaliações relativas à sua eficácia.
O outro lado da moeda, contudo, é menos enfatizado: a segurança de que medidas vinculadas a agendas de longo prazo não sejam descontinuadas em função de ciclos políticos. Se a política industrial objetiva induzir investimentos privados, é preciso que o Estado pactue condições e contrapartidas e se comprometa com a estabilidade das regras pelo tempo necessário.
Previsibilidade e segurança jurídica são elementos essenciais em qualquer cenário, mas tornam-se ainda mais críticas no contexto de políticas orientadas à missão que requeiram o engajamento do setor privado em investimentos de alto risco e longo prazo de maturação.
iv. Capacidade de lidar com o risco e com o fracasso
Além do aprimoramento de instrumentos de política (e.g. regulamentação de compras públicas para a inovação) podem ser necessárias mudanças de cultura para dar segurança jurídica à atuação dos agentes públicos e para tornar o engajamento nas missões atrativo para o setor privado.
A lógica das políticas orientadas à missão requer uma mudança cultural para que a sociedade aceite que o Estado deve assumir riscos e que o processo de inovação por ele fomentado conviverá com erros e acertos. Como comenta Dani Rodrik, em “Industrial policy for the twenty-first century”, “se não há falhas, ou se há poucas falhas, isso pode ser interpretado como um sinal de que o programa não foi agressivo o bastante ou generoso o bastante”.
v. Investimento em capacitação técnica interna
Operar políticas orientadas a missões pode ser tecnicamente complexo, exigir estruturas multidisciplinares e cooperação interagências. Ao contrário de projetos tradicionais (e.g. oferecer financiamento para projetos do setor X ou para a tecnologia Y), projetos orientados a missões muitas vezes terão que avaliar novas tecnologias e as estruturas do Estado precisarão dispor de capacidade técnica para isso. Políticas de compras públicas para a inovação, por exemplo, podem exigir a existência de técnicos com conhecimento científico similar ao da empresa contratada, seja para a avaliação de soluções tecnológicas avançadas, seja para a elaboração de contratos e para a sua gestão.
Missões brasileiras
O alto nível de coordenação requerido e a necessidade de mecanismos de governança para viabilizar a definição de missões, o engajamento de diferentes atores da sociedade e a efetiva execução de projetos fazem com que o planejamento e a execução de políticas orientadas à missão pareçam desafiadores para o Estado brasileiro.
A história recente mostra, porém, que o Brasil já foi capaz de implementar grandes e bem sucedidas políticas orientadas a missões, à exemplo da exploração de petróleo em águas profundas, a criação de uma indústria aeroespacial moderna e internacionalmente competitiva, o desenvolvimento do etanol como combustível alternativo e renovável e a adaptação da soja à região do Cerrado (entre muitos outros feitos da Embrapa). Casos de sucesso mais recentes incluem o desenvolvimento da cadeia produtiva de geração de energia eólica e o novo laboratório de luz síncrotron Sirius.
Missões brasileiras no contexto atual poderiam envolver soluções em áreas como:
• produtividade industrial,
• mobilidade urbana,
• eficiência energética,
• combate ao desmatamento,
• habitação,
• ampliação do acesso à saúde
• redução das emissões de carbono nos transportes, na indústria e na agropecuária.
O aumento da produtividade, por exemplo, é um dos maiores desafios da indústria brasileira. Como demonstra a seguir, o índice de produtividade efetiva da indústria brasileira caiu 15% entre 2000 e 2019, último ano para o qual o dado está disponível. Mesmo em períodos de crescimento da produtividade brasileira, o índice de produtividade efetiva pode cair, significando que a produtividade dos parceiros comerciais cresceu mais rápido.
Para enfrentar este desafio, o Estado poderia estabelecer uma missão para reduzir em 50% o gap de produtividade em relação à média da OCDE em um período de tempo razoável. Recentemente, o Brasil teve o exemplo bem avaliado do “Programa Brasil Mais Produtivo” (ver Carta IEDI n. 918), que apoiou pequenas e médias empresas a adotarem técnica de manufatura enxuta. Uma missão para o aumento da produtividade da indústria deveria expandir essa metodologia, idealmente com uma estratégia de focalização.
Outra possível missão focada no aumento da produtividade seria fomentar a adoção de tecnologias digitais voltadas ao aumento da produtividade em pequenas e médias empresas, estimulando a oferta de soluções de baixo custo, adequadas a diferentes perfis de empresas industriais, e mobilizando diferentes instituições de fomento.
Uma missão com estas características poderia mobilizar empresas de diferentes portes e setores, inclusive startups, para desenvolver e ofertar soluções digitais voltadas ao aumento da produtividade. Vale ressaltar que o Estado já dispõe uma estrutura de governança público-privada reunindo governo, setor privado e academia, que poderia contribuir com a formulação de um programa nesses moldes: a Câmara Brasileira da Indústria 4.0.
Uma missão que olhe para o imperativo da transição energética na área de transportes ao mesmo tempo que considere a competência acumulada pelo Brasil na área de biocombustíveis pode ser um exemplo promissor.
Como mencionado em seção anterior, missões têm a capacidade de mobilizar uma multiplicidade de atores, de diversos segmentos, para o desenvolvimento de inovações que contribuam para endereçar questões prioritárias da sociedade.
A cadeia produtiva ligada ao desenvolvimento e produção de biocombustíveis é um exemplo. Considerando-se a fase agrícola, a industrial (etanol, autopeças e automóveis) e a distribuição, envolve um grande conjunto de empresas, de diferentes setores, que vão desde o desenvolvimento de variedades digitais até a aplicação de tecnologias digitais para otimizar a produção e a logística de distribuição. Associado a um mesmo objetivo, reúne os conceitos de Agricultura 4.0, Indústria 4.0 e Logística 4.0.
Na área da saúde, a ampliação do acesso da população em um país com dimensões continentais como o Brasil pode levar a desenvolvimentos nas áreas de TICs, equipamentos médicos e serviços ligados ao conceito de Saúde 4.0, tecnologias aplicadas à logística, entre outras.
Na área de habitação, o Plano Biden (ver próxima seção) prevê a realização do maior e mais abrangente investimento habitação da história. Transportando para o caso brasileiro, uma missão ligada a este tema poderia envolver toda a cadeia produtiva da construção em uma agenda que promovesse a maior “industrialização da construção”, avançando em agendas como o BIM (Building Information Modeling), estimulando inovações para reduzir custos e prazos de construção de moradias e endereçando questões ligadas ao financiamento e à tributação do setor.
Na área da mobilidade urbana as necessidades e as oportunidades são igualmente grandes. Nesse caso, é necessário um nível adicional de coordenação para envolver as prefeituras de grandes municípios de modo a dar escala suficiente para o desenvolvimento de soluções no Brasil.
O objetivo desta seção não é apresentar uma lista exaustiva, mas sim demonstrar o potencial de alguns temas para mobilizar Estado, instituições de pesquisa e empresas de todos os setores e portes para entregar resultados que contribuam para o desenvolvimento econômico e social brasileiro.
Propostas para uma nova estratégia de política industrial
O estudo de João Emílio Gonçalves, realizado a pedido do IEDI, tem como objetivo apresentar e discutir a visão contemporânea sobre a política industrial, contribuindo para que o Brasil desenhe sua própria estratégia de desenvolvimento industrial alinhada com as melhores práticas internacionais sobre o tema.
Gonçalves enfatiza que a política industrial precisa ser vista não como uma política para a indústria, que beneficia determinados grupos de interesse, mas como uma política que tem no desenvolvimento industrial um meio para promover a criação de atividades com maior produtividade, que empreguem trabalhadores crescentemente mais qualificados e com maiores empregos. Ela é, assim, um instrumento para que o Brasil consiga se livrar da armadilha da renda média.
Para que a política industrial adquira legitimidade e seja vista desta forma, é fundamental que se adotem medidas para assegurar que suas escolhas sejam transparentes e que as medidas implementadas tenham metas e contrapartidas claras monitoradas e avaliadas.
A análise de experiências bem sucedidas de política industrial revela a importância de que estas sejam coordenadas com um conjunto mais amplo de políticas de competitividade, de modo que elas se reforcem mutuamente.
No outro extremo, o uso compensatório de instrumentos de política industrial, na tentativa de contornar problemas de competitividade sistêmico, com frequência não resulta em ganhos sustentáveis no longo prazo e, sobretudo, é incapaz de gerar os objetivos esperados das políticas industriais contemporâneas: promover a transformação estrutural e o aumento da produtividade.
Nesse contexto, dispor de uma boa estrutura de gestão e governança é um imperativo para a eficácia da política industrial.
Em que pese não ser a única forma eficaz de fazer política industrial, a abordagem “orientada à missão” contribui para dar legitimidade à política, pois, ao mesmo tempo em que cria oportunidades para o desenvolvimento produtivo e tecnológico, o faz para resolver desafios da sociedade.
Com isso em mente, João Emílio Gonçalves apresenta recomendações para uma futura política industrial brasileira:
Aprimorar a Governança e a Gestão
O ponto de partida para o planejamento e execução de políticas industriais eficazes é o estabelecimento de mecanismos de governança e gestão que permitam a coordenação entre os diversos órgãos públicos responsáveis por ela e, a partir daí, facilitem a interação com o setor privado.
É comum os instrumentos necessários para a execução de projetos mais ambiciosos estarem distribuídos entre diferentes órgãos públicos, o que reforça a necessidade de coordenação para evitar que sejam vistos como projetos de interesse de uma área específica do governo e, como consequência direta disso, que as demais áreas não se empenhem adequadamente.
A coordenação deve se iniciar pelas áreas responsáveis pelas políticas industrial, de inovação e de comércio exterior, três áreas, que no Brasil, envolvem perto de uma dezena de órgãos ligados ao governo federal. Mas não a questão não se restringe a estas três áreas. Em uma dimensão ainda mais transversal, é indispensável que a área econômica do governo esteja envolvida nos projetos, contribuindo para a discussão e validação de prioridades, em um primeiro momento, e, posteriormente, para assegurar a sua viabilidade financeira.
A experiência internacional recente demonstra o potencial de colocar a política industrial a serviço do enfrentamento de importantes desafios da sociedade (as chamadas missões), o que requer mecanismos de gestão e governança que viabilizem a cooperação e a coordenação entre as áreas responsáveis pela política industrial, a área econômica e as áreas setoriais do governo que, dependendo do caso, podem envolver meio ambiente, saúde, transportes, energia, comunicações, entre outras.
O Brasil já experimentou distintos mecanismos de governança criados para promover articulações dentro do setor público e entre este e o setor privado. Um exemplo recente é o CNDI – Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, cuja efetividade variou ao longo do tempo, influenciado pela prioridade que o governo, como um todo, atribuía ao colegiado.
A análise da experiência do CNDI e de outras estruturas de governança com função similar mostra que não há modelo institucional infalível, mas é possível estabelecer alguns pré-requisitos para um bom funcionamento:
i) A qualidade e a eficácia da coordenação intergovernamental dependem do grau de prioridade estabelecido pelo Presidente da República para o tema que será tratado pelo colegiado;
ii) A pessoa escolhida para liderar o colegiado precisa ser capaz de se dedicar à sua gestão no dia-a-dia e precisa ter um status na hierarquia do governo que lhe permita interagir em alto nível com o Executivo e com o Legislativo. Isso significa que a decisão de vincular um órgão com essas características a um ministério poderoso pode ser ineficaz se este tiver muitas outras prioridades.
Considerando a forma de organização do governo brasileiro, seria útil contar com um órgão com características supraministeriais para conduzir a política industrial, mas que não esteja submetido às inúmeras atribuições da Casa Civil que poderiam colocar a política industrial em segundo plano. Nesse contexto, sugere-se explorar a possibilidade de criar um órgão similar ao Conselho Nacional de Economia (NEC) dos EUA (https://www.whitehouse.gov/nec/).
O NEC integra o Escritório Executivo do Presidente e tem como principais funções coordenar a elaboração de políticas econômicas sobre questões domésticas e internacionais, assegurar que programas e decisões políticas sejam consistentes com os objetivos econômicos do Presidente e monitorar a implementação da agenda econômica do Presidente.
A pessoa responsável pela direção NEC deve trabalhar em parceria com os diversos departamentos e líderes de agências do governo e auxiliado por uma equipe composta por especialistas em áreas como infraestrutura, indústria, inovação e tecnologia, pequenas empresas, regulação financeira, habitação, e política fiscal.
Estabelecer Prioridades e Evitar a Dispersão de Iniciativas
O planejamento e a execução de políticas industriais, sobretudo as mais ambiciosas, que requerem a atuação coordenada de diferentes atores, tende a ser muito intensivo em gestão. São necessárias muitas interações para testar e validar hipóteses, desenvolver e calibrar novos instrumentos, elaborar os instrumentos normativos e negociá-los dentro do executivo e com o legislativo.
Durante a execução da política, as equipes envolvidas precisam monitorar resultados e avaliá-los, identificar oportunidades de melhoria e, eventualmente, promover ajustes de curso. São atividades que exigem equipes especializadas e tempo de dedicação e, para isso, é necessário estabelecer prioridades.
A análise de experiências brasileiras recentes mostra que a priorização de ações é um desafio. A partir de um determinado objetivo, sugestões de ações são apresentadas e incorporadas sem um exercício rigoroso para avaliar a contribuição efetiva de cada uma delas para o atingimento dos objetivos e da própria capacidade de executá-las individualmente e em conjunto com as demais.
Como resultado, muitos planos acabam reunindo dezenas ou até mesmo centenas de ações (muitas delas com impacto duvidoso) cuja execução é inviável tanto pela ótica fiscal (pois cada ação tem custo) quanto pela ótica da gestão, pois não há técnicos suficientes para dar conta do conjunto de atividades necessárias para colocar em prática tantas iniciativas dentro do horizonte de tempo de um mandato.
Em algum momento, a sociedade percebe que aquele conjunto enorme de propostas não saiu e não sairá do papel e isso, ao longo do tempo, mina a credibilidade da política e afasta o setor privado.
Promover a Interação com o Setor Privado
Experiências bem sucedidas apontam que a existência de uma estrutura de governança que viabilize a interação transparente entre o setor público e o setor privado é indispensável para o planejamento e a execução de uma política industrial eficaz.
Se um dos principais objetivos da política é induzir o setor privado a investir e assumir riscos, é fundamental que a etapa de planejamento disponha de um ambiente de interação público-privado capaz de identificar prioridades, elaborar e testar diagnósticos, validar a eficácia de instrumentos e pactuar contrapartidas.
A falta de uma estrutura de governança que promova esse diálogo, por outro lado, pode resultar em políticas pouco efetivas ou que, por falhas de desenho, não consigam alcançar o público-alvo esperado
Vale ressaltar que o estabelecimento de compromissos e contrapartidas vale tanto para a relação público-privada quanto para a relação entre as instituições públicas, que devem se comprometer em atuar de maneira coordenada, mobilizando os instrumentos sob sua responsabilidade.
A pactuação de contrapartidas deve, também, ser vista como uma via de mão-dupla: de um lado, o setor privado assume compromissos para ser contemplado pela política e, de outro, o Estado deve assumir o compromisso de atuar com previsibilidade, evitando descontinuidades motivadas pelo ciclo político.
Alguns críticos da política industrial afirmam que o Estado não dispõe do conhecimento necessário sobre o funcionamento do setor privado e, por esta razão, as políticas falham. A resposta para a falta de conhecimento do Estado, contudo, não deve ser abrir mão da política industrial, mas criar mecanismos que permitam que o setor privado revele as informações necessárias.
Cabe, a esse respeito, reforçar a ideia de centralidade: a gestão da estrutura de governança deve ser centralizada para evitar a proliferação de câmaras e fóruns, pois a tendência é que muitos desses mecanismos reúnam as mesmas pessoas, das mesmas instituições, e resulte em desperdício de esforços e imobilismo.
Assegurar Transparência: metas, monitoramento e avaliação
Transparência é um pressuposto de políticas públicas, sobretudo quando estas requerem o envolvimento do setor privado. Para isso, a política industrial deve dispor de mecanismos de comunicação que assegurem que a sociedade conheça e compreenda suas prioridades, as escolhas feitas e os objetivos esperados. É fundamental que a política estabeleça metas claras e que seja capaz de demonstrar a vinculação entre estas e as ações previstas.
No momento do seu anúncio, a política deve estabelecer mecanismos de monitoramento e avaliação que serão empregados ao longo da sua execução e deve prever as ações que deverão ser tomadas em caso de desvios de rota que podem exigir ajustes de instrumentos ou até mesmo a interrupção da política, pois a política industrial, como qualquer política, não é infalível. Ela está sujeita a erros de formulação e, também, a mudanças de cenário (e.g. crises, mudanças institucionais, inovações tecnológicas). É preciso que o governo seja capaz de identificar rapidamente esses eventos e de tomar medidas corretivas.
O estabelecimento de metas para a política industrial pode se tornar uma tarefa complexa, lembra João Emílio Gonçalves, principalmente quando se consideram projetos de longo prazo, superiores à duração de um mandato.
O desafio, nesse caso, é estabelecer metas intermediárias que permitam avaliar se a política está sendo executada adequadamente sem que isso se traduza em uma busca por resultados de curto prazo que podem ser incompatíveis com a natureza dos objetivos.
Em outras palavras é preciso desenvolver metodologias para o estabelecimento de metas (finalísticas e intermediárias) e seu monitoramento que não resultem na priorização de projetos imediatistas em detrimento de estratégias de longo prazo com foco na transformação estrutural.
Estabelecer Instrumentos transitórios, com prazo definido
Uma vez que se tenha os objetivos definidos para a política, devem-se definir os meios necessários e suficientes, disponibilizados com a intensidade certa e pelo tempo necessário para alcançá-la.
Dois riscos devem ser evitados: o primeiro é desenhar instrumentos que não possam ser removidos no momento em que não forem mais necessários ou quando se observar que não estão surtindo os efeitos esperados.
O segundo risco é de, em razão de cortes orçamentários, cancelamento de compras ou não renovação de políticas, descontinuar instrumentos que estão funcionando adequadamente e, com isso, prejudicar as empresas que decidiram investir e correr riscos acreditando em um compromisso de longo prazo do governo.
Como mencionado anteriormente, se a política industrial objetiva induzir investimentos privados, é preciso que o Estado pactue condições e contrapartidas e se comprometa com a estabilidade das regras pelo tempo necessário.
Isso reforça a importância de mecanismos transparentes de monitoramento e avaliação, que devem ser conhecidos ex-ante pelo setor privado.
Estabelecer princípios norteadores
Em um momento anterior à formulação de novas políticas industriais, recomenda-se que o Estado estabeleça alguns princípios norteadores. A ideia é que as políticas e seus instrumentos sejam submetidos a um teste de compatibilidade com estes princípios para assegurar que estão alinhados com os objetivos que devem ser perseguidos por uma estratégia de desenvolvimento industrial moderna.
• Alinhamentos com o conceito de política industrial: a política e seus instrumentos devem estar inequivocamente direcionados para a promoção da transformação estrutural e para o aumento da produtividade.
• O imperativo da sustentabilidade: a busca da sustentabilidade é uma exigência da sociedade e a cobrança de requisitos ambientais deverá afetar a produção industrial e o comércio exterior de forma crescente. Nesse contexto, a política industrial deve ter como premissa o compromisso de estimular a transição para uma economia de baixo carbono. Para isso, a política deve apoiar o desenvolvimento e a incorporação de tecnologias que contribuam para a descarbonização, mas também há espaço para o apoio a políticas que contribuam para o aumento da eficiência produtiva e, com isso, reduzam a intensidade de emissões.
• Busca da competitividade internacional: a política e seus instrumentos devem ser estabelecidos de modo a indicar, de forma crível, que as atividades apoiadas poderão tornar-se internacionalmente competitivas dentro de um prazo razoável.
Adotar abordagem orientada a missões
O conceito de política orientada à missão oferece atrativos para uma nova estratégia de política industrial.
O primeiro e mais importante é a capacidade de dar legitimidade à política industrial, ao vinculá-la à superação de problemas reais do país e, consequentemente, afastá-la da visão de que se trata de uma ação do Estado para favorecer alguns segmentos.
Além disso, o conceito de missão traz consigo a possibilidade de mobilizar múltiplos atores em torno de desafios complexos e ambiciosos e oferece mecanismos para lidar com políticas verticais sem precisar, para isso, passar pela definição ex-ante de setores.
A título indicativo, e conforme discutido anteriormente, uma nova política industrial brasileira poderia estabelecer missões para lidar com temas como produtividade industrial (incluindo o apoio ao desenvolvimento e incorporações de tecnologias digitais e técnicas de gestão), mobilidade urbana, eficiência energética, combate ao desmatamento, habitação, ampliação do acesso à saúde e redução das emissões de carbono nos transportes, na indústria e na agropecuária.
Em cada uma dessas áreas há desafios relevantes e com potencial para mobilizar Estado, instituições de pesquisa e empresas dos mais variados portes e setores para entregar resultados que contribuam para o desenvolvimento econômico e social brasileiro.