Carta IEDI
Ações para a revitalização industrial do Brasil
A Carta IEDI de hoje retoma a discussão das estratégias contemporâneas de desenvolvimento industrial e aborda, nesta ocasião, o caso de economias que, como a brasileira, vêm prematuramente registrando um declínio acentuado da indústria em suas estruturas produtivas.
Atualmente, a tarefa de revitalizar a indústria tornou-se mais complexa, em função das transformações globais que temos testemunhado, com o acirramento da competição tecnológica, disputas geopolíticas, mudanças climáticas e efeitos da pandemia, mas nem por isso tornou-se mais difícil, já que oportunidades também estão se abrindo.
Para discutir o tema, esta Carta IEDI aborda o estudo realizado por André Nassif (UFF) e Paulo Morceiro (University of Johannesburg) intitulado “Industrial policy for prematurely deindustrialized economies after the Covid-19 pandemic crisis: Integrating economic, social and environmental goals with policy proposals for Brazil” e apresentado no 25º Fórum de Macroeconomia e Política Macroeconômica de Berlim.
Assim, o IEDI dá continuidade a uma série de divulgações com ideias e sugestões para uma nova estratégia industrial para o Brasil, como na Carta n. 1174 “Critérios e Missões para uma Estratégia Industrial Brasileira, recentemente divulgada, mas também em trabalhos anteriores, como as Cartas IEDI n. 797 “Indústria 4.0: Desafios e Oportunidades para o Brasil”, n. 1075 “Transição Verde: oportunidades e desafios para o Brasil”, n. 1149 “Uma agenda para recolocar o Brasil nos trilhos do Desenvolvimento”, n. 1153 “Pelo desenvolvimento do Brasil: a visão da indústria” e n. 1157 “Integrar-se mais e melhor ao mundo: uma agenda indispensável para o Brasil”, entre outras publicações.
O estudo de Nassif e Morceiro discute como a desindustrialização é um fenômeno que afeta os países de distintas maneiras, implicando desafios diferentes para cada um deles. No Brasil, por exemplo, afeta principalmente segmentos de maior intensidade tecnológica, como discutido nas Cartas IEDI n. 920 e n. 929. Os autores também sugerem caminhos para políticas que fomentem a modernização e a revitalização da indústria brasileira, a fim de que retomemos um processo de desenvolvimento sustentado.
Assim como o IEDI em muitas de suas divulgações, os autores argumentam que a indústria segue sendo o “motor do crescimento econômico” e continuará exercendo papel relevante no desempenho das economias em desenvolvimento, notadamente devido ao seu papel no progresso tecnológico e no auxílio à descarbonização dos sistemas produtivos.
No Brasil, bem como em muitas outras economias, o crescimento do PIB está intrinsecamente relacionado ao desempenho da indústria manufatureira. No período de industrialização, em 1950-1980, as altas taxas de crescimento econômico no país foram acompanhadas de expressiva expansão da produtividade do trabalho, mas, desde então, nosso processo prematuro de desindustrialização vis-à-vis a experiência internacional refletiu-se em uma fase de estagnação econômica.
Revitalizar a indústria brasileira também potencializa a geração de empregos verdes e tecnológicos. Nassif e Morceiro, a partir da utilização de modelagem de impacto econômico intersetorial, verificaram o impacto de um aumento de demanda de US$ 10 milhões na economia brasileira.
Para a economia como um todo o impacto setorial médio é 538 empregos adicionais, sendo que 7,31% deles seriam verdes e 0,74% seriam empregos tecnológicos. Na manufatura em geral, estas proporções seriam de 8,93% e de 0,67%, respectivamente, mas os autores enfatizam que à exceção dos segmentos baseados em recursos naturais e intensivos em trabalhos, o impacto é bem mais expressivo.
Na indústria intensiva em escala, dos empregos adicionais 10,7% seriam verdes e 0,85% tecnológicos. Esta parcela da indústria, que inclui o setor automobilístico é um eixo importante para a sustentabilidade ambiental por meio do paradigma do carro elétrico. Na indústria de fornecedores especializados, que inclui máquinas e equipamentos, a fração dos empregos adicionais considerados verdes é de 16,9% e a do emprego tecnológico, de 1,7%.
No subgrupo dos manufaturados baseados em ciência, pela natureza de sua atividade, o aumento da demanda do exercício geraria um impacto proporcionalmente elevado no tecnológicos, de 1,3%, mas também nos empregos verdes, cuja fração seria de 9,5% do total adicional.
Em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, os autores do estudo propõem seis eixos para uma estratégia industrial orientada por missões no Brasil. São elas:
• Missão 1. Segundo o ODS 9 da ONU, promover a industrialização inclusiva e sustentável, não apenas restaurando o estado tecnológico dos ramos industriais que perderam competitividade nas últimas décadas, mas revitalizando-os por meio da inovação, incorporação de tecnologias limpas e integração com novos serviços de TI. É neste sentido que o termo reindustrialização é defendido por Nassif e Morceiro.
• Missão 2. Também de acordo com o ODS 9, promover a inovação, progresso técnico e criação de vantagens comparativas dinâmicas. A inovação difunde o progresso técnico, sustenta o crescimento da produtividade em termos dinâmicos e impulsiona o emprego (no setor de origem e nos setores beneficiados pela adoção/difusão). Uma missão nesse sentido, defendem os autores, implica fomentar o patenteamento e a melhora dos indicadores de esforços inovativos.
• Missão 3. Segundo o ODS 8, fomentar a geração e formalização do emprego e a redução das desigualdades sociais. Para os autores, é necessário igualmente orientar o desenvolvimento nas regiões mais atrasadas do país, onde o grau de informalidade é mais significativo.
• Missão 4. Segundo ODS 6 e 9, aumentar o investimento em infraestrutura tornando-a resiliente e sustentável, o que passa pela disponibilidade e gestão sustentável de água e saneamento em todo o país. Esse tipo de investimento, lembram os autores, gera um alto retorno social de longo prazo, uma vez que 16% da população brasileira não têm acesso à água tratada, 47% não têm acesso a um sistema de esgoto e a rede de transporte ferroviário por km é baixa para um país continental.
• Missão 5. De acordo com a ODS 5, integrar atividades brasileiras às tecnologias digitais, por meio de uma missão voltada para a incorporação de tecnologias digitais com potencial de revitalizar a maior parte do setor manufatureiro e auxiliar na promoção de uma economia mais descarbonizada. Dados os potenciais efeitos negativos sobre o emprego, mesmo que transitórios, Nassif e Morceiro defendem que a digitalização da economia deve vir acompanhada de investimentos em educação, treinamento e qualificação da mão de obra, o que envolverá coordenação entre Estado e setor privado.
• Missão 6. Em linha com os ODS 12, 13 e 15, descarbonização, redução das emissões de CO2, proteção das florestas e mudanças climáticas devem integrar missão específica, que contemple os novos parâmetros competitivos para todos os setores da economia, a fim de estabelecer índices de rastreabilidade de produtos e rótulos de eficiência energética, por exemplo. Segundo os autores, essas diretrizes tem potencial de afetar todos os setores da economia brasileira, sobretudo os industriais, serviços sofisticados e os ligados à infraestrutura. Atenção especial pode ainda ser destinada à industrialização de regiões mais atrasadas, especialmente em áreas mais populosas nas regiões Norte e Nordeste para combater a desigualdade.
Nassif e Morceiro enfatizam ainda que o Estado deveria explorar as sinergias entre as diferentes missões ao desenhar estratégias industriais a fim de maximizar seus resultados. Por exemplo, investir em inovação (missão 2) para produzir aerogeradores (missões 1 e 6) e seus principais componentes (missões 1 e 5) e instalar no Nordeste do país (missões 3 e 4).
Os autores identificam ainda frentes de atuação envolvendo diferentes setores e instituições que poderiam ser mobilizados nas missões anteriormente mencionadas. Entre elas, as seguintes podem ser citadas:
• Complexo farmacêutico e de saúde. Os autores lembram que o Brasil possui atores-chave no sistema de inovação em saúde, como institutos públicos de pesquisa (Fiocruz e Butantan), empresas farmacêuticas nacionais e filiais de transnacionais e grande poder de compra estatal por meio do SUS. Com base em sua biodiversidade, o Brasil poderia vir a se tornar referência mundial em doenças tropicais e farmacêuticos biotecnológicos e o envelhecimento da população permitiria a expansão de atividades intensivas em trabalho. Este complexo articularia as missões 1, 2 e 3 apontadas pelos autores.
• Ações específicas para nichos de mercado com potencial significativo de geração de empregos tecnológicos e de vantagens comparativas dinâmicas. Os autores mencionam os seguintes exemplos: insumos químicos, tais como fertilizantes e defensivos, já que o Brasil é uma potência agrícola, mas quase integralmente dependente da importação destes implementos; e indústria aeroespacial, dadas as competências da Embraer e do ITA. Poderiam ser atendidas as missões 1, 2 e 4.
• Software e serviços de informação. Atualmente serviços de informação investem em P&D tanto quanto os ramos tecnologicamente mais sofisticados da manufatura e desempenham um papel-chave no desenvolvimento de tecnologias da economia digital, que podem revitalizar a manufatura brasileira. Nassif e Morceiro lembram que serviços de informação atuam transversalmente e contribuem para o aumento da produtividade de toda a economia. As missões 1, 2 e 5 orientariam as ações nesta área.
• Infraestrutura resiliente e sustentável. Diversos setores podem ser integrados, tais como: bens de capital por encomenda ligados a infraestrutura social e física; equipamentos de telecomunicações; insumos químicos e produtos plásticos associados à expansão do saneamento básico; equipamentos de geração, transmissão e distribuição de energia, inclusive painéis fotovoltaicos e turbinas eólicas. As missões 1, 2, 3, 4, 5 e 6 estariam integradas nesta frente de atuação.
Indústria e os desafios contemporâneos
Desde a década de 1970, a economia global vem passando por profundas transformações, impulsionadas por revoluções tecnológicas radicais, como a das indústrias de tecnologias de informação e comunicação (TIC) e, mais recentemente, a chamada revolução da Indústria 4.0 ou digitalização.
Como já discutido em outras ocasiões pelo IEDI – como nas Cartas IEDI n. 797, 823, 854, 860, 862 e 899, apenas para dar alguns exemplos – a revolução da indústria 4.0 é impulsionada pela robótica, inteligência artificial, big data, internet das coisas, biotecnologia, genômica, novos materiais e energia renovável. Uma de suas principais características é a integração da ciência e da tecnologia com o setor manufatureiro e os serviços intensivos em conhecimento.
Nassif e Morceiro ressaltam que, apesar dos avanços tecnológicos observados nas últimas décadas, que colocaram os serviços de alta tecnologia no centro das transformações, a indústria continua sendo a fonte essencial de geração e difusão do progresso técnico incorporada em máquinas, equipamentos, componentes e sensores.
Isso leva, na avaliação dos autores, à necessidade de se analisar como a desindustrialização afeta os países no mundo e como eles estão preparados para reagir a ela e para enfrentar os desafios sociais contemporâneos.
Há uma crescente pressão por tecnologias sustentáveis, isto é, mais “verdes” ou “limpas”, que passa por métodos manufatureiros mais eficientes, produção industrial de novos materiais, bens de capital e componentes verdes para atender a demanda da própria manufatura e dos setores de construção, energia e transportes.
Em outros termos, Nassif e Morceiro enfatizam o papel da indústria como eixo viabilizador do surgimento de uma estrutura produtiva que minimize seus impactos adversos sobre o meio ambiente.
Lembram, ainda, que, para além dos imperativos éticos, a incorporação de tecnologias verdes já é uma necessidade imposta por razões econômicas, pois afeta cada vez mais o posicionamento competitivo dos países no longo prazo. Ao mesmo tempo, a incorporação de tecnologias digitais às cadeias de valor industrial será vital para melhorar a eficiência energética e incrementar a produtividade.
Países em desenvolvimento que pretendam superar os problemas relacionados à desindustrialização e acompanhar essa dupla transformação em curso, isto é, a transição digital e a transição verde, terão que adotar políticas orientadas a missões no sentido de aproveitar as janelas de oportunidades oferecidas no século XXI e, assim, promover a reindustrialização de suas economias.
Com base em diagnóstico dos problemas estruturais da economia brasileira e em simulação do impacto de um aumento da demanda na geração de empregos totais, empregos verdes e empregos tecnológicos, André Nassif e Paulo Morceiro propõem diretrizes de uma nova estratégia industrial orientada por seis missões, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Desindustrialização e importância da indústria
O fenômeno da desindustrialização é caracterizado pela perda de participação relativa da indústria na economia de um país – por meio da queda da participação do emprego industrial no total e/ou pela queda do valor adicionado da indústria no PIB total.
Duas situações diferentes devem ser levadas em consideração, segundo os autores: a desindustrialização considerada “natural” e a desindustrialização prematura.
A desindustrialização dita “natural” ou “normal” é um fenômeno que segue o formato de uma “curva em U” invertida. Inicialmente, à medida que a renda per capita aumenta, a participação do valor adicionado no PIB cresce até atingir seu ponto máximo; em seguida, quando a renda per capita atinge um determinado patamar – de cerca de US$ 20 mil em paridade poder de compra a preços de 1985 –, a parcela do setor manufatureiro no PIB começa a declinar.
Este tema foi abordado em Cartas IEDI anteriores, a exemplo da de n. 940, intitulada “Um ponto fora da curva” e divulgada em ago/19, de n. 920 sob o título “O perfil setorial do retrocesso da indústria brasileira”, de abr/19, e de n. 890 “Mudança estrutural e desindustrialização: repensando as políticas de desenvolvimento”, de nov/18, entre outras.
Nassif e Morceiro contestam a tese da desindustrialização “natural” em forma de U invertido para todos os segmentos da indústria de transformação.
Com base em estudos empíricos publicados recentemente, os autores argumentam, à luz da experiência observada tanto em países desenvolvidos quanto países em desenvolvimento que não sofrem desindustrialização prematura, que os segmentos da indústria com maior intensidade tecnológica não apresentam a evolução em forma de U invertido, pois sua parcela no PIB ou no emprego total tendem a aumentar à medida que a renda per capita se eleva.
Os autores mostram, portanto, que a especialização em setores mais intensivos tecnologicamente pode desacelerar ou até evitar a desindustrialização.
Alguns trabalhos apontam que, em geral, a despeito da participação relativa do emprego manufatureiro no total cair, o valor adicionado da indústria ainda permanece elevado em economias que passam por processo de desindustrialização “natural”.
Isso evidencia que, apesar da perda relativa de empregos industriais, inclusive devido ao avanço da automação, o setor manufatureiro segue sendo o principal motor do crescimento nas economias capitalistas.
Nassif e Morceiro argumentam que isso ocorre porque a indústria, ao sustentar o ritmo de incremento da produtividade do trabalho, provoca queda nos preços relativos dos bens que produz e, consequentemente, estimula sua própria demanda.
Já na desindustrialização prematura ou precoce, a perda de participação do emprego manufatureiro ou do valor adicionado da indústria acontece em um patamar de renda per capita relativamente inferior aos países que passaram por um processo de desindustrialização considerado “natural”.
Por exemplo, no caso brasileiro, ocorreu quando a parcela da manufatura começou a diminuir acentuadamente após o país atingir apenas 60% do PIB per capita dos países desenvolvidos quando estes começaram a se desindustrializar, como discutiu a Carta IEDI n. 940.
Nos países em desenvolvimento, há duas situações contrastantes:
• Por um lado, a maioria dos países sofreu desindustrialização prematura devido à ausência políticas industriais adequadas e à concorrência global, particularmente da China, nos últimos anos.
• Por outro lado, os países asiáticos, em que, salvo exceções pontuais, não se observou o mesmo fenômeno. Entre 1970 e 2017, eles experimentaram aumento da participação relativa do valor adicionado manufatureiro de 13,5% para 19,1% enquanto os países latino-americanos tiveram queda de 18,6% para 13,9% no mesmo período.
Já com relação à participação do emprego industrial no emprego total, enquanto no período 1970-2017 os países asiáticos tiveram aumento da participação de 11,9% para 14,5%, os países latino-americanos tiveram redução de 15,5% para 11,9%.
Os dois cenários de desindustrialização (“natural” e “prematura”) trazem implicações para a formulação de estratégias industriais.
Os autores também afirmam que, apesar da chamada indústria 4.0 estar intimamente associada ao setor de serviços, o papel da indústria manufatureira ainda permanece como motor do crescimento da economia. Nassif e Morceiro apontam quatro razões pelos quais a indústria ocupa este papel:
• Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). O setor manufatureiro ainda é responsável por cerca de dois terços do total de P&D no mundo e por entre 53% e 73% de todas as patentes emitidas nos países mais inovadores, como Estados Unidos, Japão e Alemanha.
• Esforços tecnológicos. Diversos segmentos da indústria de transformação são responsáveis pela maioria dos esforços tecnológicos (segundo a participação dos seus gastos em P&D no valor adicionado), sobretudo entre os países da OCDE.
• Integração com os serviços high-tech. Como a revolução digital tende a produzir total integração dos serviços high-tech com a indústria manufatureira, ambos os setores constituirão um ecossistema de tecnologias complexas que produzem efeitos uns aos outros (feedbacks dinâmicos). Isso reforça o papel fundamental do setor manufatureiro propriamente dito.
• Tecnologias mais limpas. A indústria 4.0 pode auxiliar e acelerar a substituição de tecnologias com alta emissão de dióxido de carbono (CO2) por outras com baixa emissão.
Além disso, é muito difícil que países pobres ou em desenvolvimento consigam saltar diretamente para serviços de alta tecnologia sem constituírem, antes disso, uma base industrial diversificada e competitiva, segundo Nassif e Morceiro.
A trajetória da economia brasileira de 1950 a 2020
A desindustrialização brasileira está diretamente relacionada ao crescimento da economia nos últimos anos. Entre 1950 e 2020, o Brasil vivenciou transformações que se traduziram em diferentes trajetórias de crescimento econômico e da produtividade do trabalho, de acordo com os autores.
Quanto ao PIB, como mostra o gráfico a seguir, no Brasil, até a década de 1980, é possível observar uma tendência de crescimento sustentado do PIB, ao passo que, a partir do início da década de 1980, o país entra em processo de estagnação, que, até o momento, ainda não se reverteu.
Já em relação à produtividade do trabalho, no gráfico a seguir, os autores evidenciam que, no período de 1950 a 1980 houve crescimento de 4,5% ao ano (a.a.) em média, quando medida pela razão entre PIB brasileiro agregado e o total de empregados. A partir da década de 1980, porém, refletindo o baixo crescimento da economia brasileira, a produtividade do trabalho passou a alternar períodos de retração, baixo crescimento e estagnação.
Ao avaliar o período pós-1980, os autores do estudo constatam que este indicador de eficiência econômica teve variação média anual próxima de zero. O crescimento quase nulo da produtividade do trabalho no Brasil nos últimos quarenta anos, enfatizam Nassif e Morceiro, minou a competividade da produção nacional perante seus competidores internacionais.
Quanto ao hiato (gap) tecnológico, este segue a involução da produtividade. Se dividirmos a produtividade do trabalho do Brasil pela dos EUA, teremos um indicador tradicional de gap tecnológico, o qual aumenta (diminui) quando a produtividade no Brasil cresce abaixo (acima) da dos EUA.
A figura a seguir exibe padrões diferentes da evolução do gap tecnológico entre países desde 1950. Nassif e Morceiro mostram que até 1980 o Brasil encurtou a lacuna com os EUA, mas desde então essa distância vem se ampliando.
Enquanto Argentina, Brasil e Chile apresentam trajetória de aumento do gap tecnológico nas últimas décadas, Coréia do Sul, Índia e China mostram evidente diminuição.
O estudo chama atenção, ainda, para o fato de que a China, cujas condições iniciais eram bem mais precárias que as do Brasil até o final da década de 1990, já exibe hiato tecnológico menor do que o da economia brasileira no momento atual.
Em 2019, a produtividade do trabalho do Brasil era equivalente apenas a 25% da produtividade do trabalho dos Estados Unidos; em 1980, este percentual havia sido de 46%.
A partir dos indicadores anteriores, que demarcam duas fases distintas da evolução da economia brasileira – crescimento entre 1950 e 1980 e estagnação entre 1981 e 2020 –, Nassif e Morceiro apontam os seguintes aspectos.
No período de 1950-1980, vigorou a estratégia de substituição de importações – substituição por produção nacional de uma diversidade de produtos, notadamente manufaturados, que constituíam a cesta de importações – e a implementação de políticas industriais ambiciosas.
Para os autores, este foi um período de proteção à indústria, que legou alguns problemas como falta de seletividade, dependência tecnológica e aumento da desigualdade social. No entanto, o país experimentou expressivo crescimento econômico e incremento da produtividade do trabalho, conseguindo reduzir o hiato de produtividade em relação aos países avançados como os EUA.
No período seguinte, o Brasil enfrentou problemas diversos, como inflação crônica e crise da dívida externa entre os anos 1980 e meados da década de 1990, e passou por reformas econômicas liberalizantes a partir dos anos 1990, que, no entanto, não foram capazes de reverter o quadro de estagnação.
Após um período de crescimento marcado pelo boom das commodities e maior dinamismo do mercado interno nos anos 2000, desde 2012, o país vem sofrendo sucessivas crises internas e sendo submetido a diversos choques externos.
Valor adicionado e emprego industrial no Brasil
A desindustrialização pode ser medida pela perda do valor adicionado do setor manufatureiro no PIB ou pela redução da parcela do emprego industrial no emprego total. Os próximos dados ilustram estes dois indicadores para o Brasil.
O gráfico a seguir mostra duas trajetórias do valor adicionado do setor industrial no PIB do Brasil. No período de 1950 a 1980, houve um aumento contínuo dessa participação, ao passo que, a partir da década de 1980, o share do valor adicionado industrial no PIB passa a ser continuamente decrescente. Entre 1980 e 2020, a participação do valor adicionado no PIB teve queda considerável, de 21,1% para 11,9%.
Já de acordo com a próxima tabela, em três das últimas quatro décadas, as taxas de crescimento médias anuais do PIB brasileiro foram inferiores às da economia mundial. Nos últimos 40 anos, a única década em que o país logrou crescer acima da média mundial foi a de 2000 (3,9%, comparativamente aos 3,1% da economia mundial).
O desempenho do setor manufatureiro brasileiro foi frustrante: a taxa de crescimento média anual do valor adicionado do setor foi inferior à do mundo em todas as quatro décadas. Mesmo nos anos 2000, quando se observou maior crescimento da economia brasileira, a taxa de crescimento da indústria brasileira foi inferior à da economia mundial.
É possível destacar ainda as diferenças entre Brasil, Coreia do Sul e China. Enquanto Coreia do Sul e China apresentaram taxas de crescimento médias anuais (do setor manufatureiro e do PIB) superiores às dos EUA, nos períodos 1981-90, 1991-00 e 2001-10, o Brasil apresentou resultado oposto.
O baixo dinamismo da economia brasileira após 1980 também apresentou reflexos adversos no emprego. Nos três anos destacados na tabela a seguir (2010, 2015 e 2018), Nassif e Morceiro mostram que a participação do emprego formal no total de empregos, em toda a economia brasileira, ficou em torno da metade, ou seja, desde 2010, para cada 10 empregos da economia brasileira, apenas cinco eram formalizados.
Esse resultado é preocupante, de acordo com os autores, pois mostra que quase metade da força de trabalho brasileira é empregada no setor informal, mesmo considerando que este último inclui também os trabalhadores autônomos.
Quando se analisa setorialmente, fica evidente a baixa taxa de formalidade da força de trabalho na agropecuária comparada à dos outros setores da economia brasileira. Para cada 100 empregos deste setor, em média, apenas 12 empregos eram formalizados.
A maior formalização da força de trabalho ocorre nos segmentos de serviços que demandam mão-de-obra com maior formação escolar (ensino médio e superior), especialmente no setor público e nas atividades financeiras. O segmento de atividades financeiras e seguros, por exemplo, possui mais de 90% de formalização.
Nos segmentos industriais selecionados, é possível perceber que, à exceção da construção civil, a taxa de formalização é maior do que média da economia.
O estudo de Nassif e Morceiro mostra que a estagnação da produtividade do trabalho e o lento crescimento econômico no Brasil nas últimas décadas são explicados, pelo menos parcialmente, pela desindustrialização prematura da economia brasileira.
Essa tendência gera efeitos adversos no setor externo da economia brasileira: de um lado, houve aprofundamento da especialização exportadora em produtos primários e, de outro, forte dependência de importações de produtos manufaturados, como será mostrado a seguir.
Especialização regressiva no comércio internacional
A fim de analisar as exportações e importações brasileiras, o estudo de Nassif e Morceiro avaliou a composição da balança comercial entre produtos primários (agricultura e mineração) e produtos manufaturados entre 1990 e 2020.
Os setores da manufatura foram divididos em cinco subgrupos de acordo com a intensidade dos fatores utilizados e o padrão de competitividade internacional: (i) baseados em recursos naturais, (ii) intensivos em trabalho, (iii) intensivos em escala, (iv) fornecedores especializados e (v) baseados em ciência. Essa divisão nos permite saber se a pauta comercial evoluiu para produtos tecnologicamente mais sofisticados e complexos ou para bens primários e intensivos em recursos naturais.
Cabe ressaltar que no início dos anos 1990 o país concluiu a liberalização comercial e a partir de 1995 passou por períodos longos de sobrevalorização da taxa de câmbio, o que modificou o grau de competitividade do Brasil no comercio internacional.
Quanto às exportações, no ano de 1990, a participação de produtos primários era de 17,6% e, em 2020, essa participação saltou para 45,1%; no mesmo período, a parcela da manufatura registrou uma queda de 81,1% para 54,6%, evidenciando uma reprimarização da cesta de exportáveis do Brasil.
A parcela das exportações de todos os grupos da manufatura apresentou redução desde 1990, evidenciando uma reprimarização regressiva generalizada. As maiores retrações são provenientes dos grupos intensivos em escala (redução de 32% para 19,4%) e intensivos em trabalho (redução de 10,3% para 2,5%) entre 1990 e 2020.
Este último grupo foi reduzido à menor participação dentre todos os outros, correspondendo a apenas 2,5% do valor total exportado pelo Brasil. Isso, obviamente, tem claros efeitos sobre o emprego industrial no país, conforme vimos anteriormente.
Em relação às importações, é possível observar a crescente dependência do país como importador de bens manufaturados desde 1990. Em 1990, a participação dos produtos manufaturados na pauta de importações era de 69,1%. Em 2020, esse percentual foi de 91,8%. Isto é, de cada US$ 100 importados pelo Brasil, US$ 91,8 foram oriundos da indústria de outros países.
O Brasil é, ainda, dependente das importações de produtos mais tecnologicamente sofisticados. Em 1990, a parcela das importações de produtos baseados em ciência e de fornecedores especializados era de 44,8% do total. No ano de 2020, essa participação aumentou para 60,7% das importações totais.
A alta dependência do país das exportações de commodities primárias e de bens com baixo processamento industrial – soma de produtos primários e manufaturados baseados em recursos naturais – pode se mostrar um problema, dada a volatilidade dos preços internacionais desses produtos. Além disso, embora o país tenha tido significativos superávits comerciais na última década, isso não se traduziu em ganhos permanentes em termos de crescimento econômico e emprego, como visto nos dados anteriores.
Simulação empírica sobre os empregos totais, tecnológicos e verdes
O estudo de Nassif e Morceiro utilizou a matriz insumo-produto brasileira de 2018, disponibilizado pelo Núcleo de Economia Regional e Urbana da USP, e o Relatório Anual de Informações Previdenciárias (RAIS), compilado pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, para estimar o impacto decorrente do aumento da demanda de US$ 100 milhões na geração de empregos totais, verdes e tecnológicos na economia brasileira. Os 68 setores da matriz insumo-produto foram agrupados nos grupos exibidos na tabela mais à frente.
As ocupações tecnológicas são aquelas que estão tradicionalmente ligadas às atividades inovadoras, que empregam pessoal altamente capacitado como engenheiros, físicos, pesquisadores, diretores e gerentes de P&D, biotecnólogos, biólogos, matemáticos, profissionais de TI, entre outros.
As ocupações “verdes” estão relacionadas às atividades econômicas e processos produtivos que atuam para diminuir o uso de combustíveis fósseis, poluição e gases do efeito estufa, além de melhorar a eficiência no uso de energia e reciclagem de materiais nocivos ao meio-ambiente.
Além disso, as ocupações verdes também englobam as atividades relacionadas à pesquisa, desenvolvimento e produção de materiais e de máquinas e equipamentos “verdes” para todos os setores da economia, tais como energia renovável (por ex., painéis solares) e construção (por ex., materiais “verdes” para a indústria de construção).
Note que tais ocupações se referem à economia verde em um nível amplo e que o setor manufatureiro desempenhará um papel fundamental no desenvolvimento, produção, instalação e manutenção de materiais, máquinas e equipamentos “verdes” requeridos por todos os setores da economia, bem como na adoção de tecnologias menos poluentes.
Aumentar a eficiência energética envolve cada vez mais ocupações relacionadas à digitalização da produção para obter informações em tempo real para a tomada de decisões mais rápidas.
A pesquisa calculou a geração de empregos totais, diretos e indiretos, e o total de empregos verdes e tecnológicos gerados direta e indiretamente. Emprego direto é aquele criado no próprio setor econômico que recebe o aumento de demanda e o indireto refere-se ao emprego criado na cadeia produtiva deste setor.
A tabela abaixo mostra os resultados da simulação dos autores. As duas últimas colunas da tabela mostram a intensidade relativa do impacto sobre os empregos verdes e os empregos tecnológicos. Este impacto é medido pela razão entre o total de empregos verdes e tecnológicos divididos pelo total de empregos gerados a partir de um aumento na demanda final.
Um aumento de US$ 10 milhões na demanda final geraria um impacto médio total de 538 empregos adicionais, sendo que 23 destes empregos seriam verdes, ou seja, uma fração de 4,31% do emprego total, e aproximadamente 4 seriam empregos tecnológicos, representando uma parcela de 0,74% do total.
No subgrupo dos manufaturados baseados em ciência, o aumento da demanda geraria um impacto proporcionalmente maior nos empregos verdes e tecnológicos. O impacto médio agregado seria de 252 empregos, sendo que 9,5% deste total corresponderiam a empregos verdes e 1,3% a empregos tecnológicos.
Na agropecuária, por exemplo, embora o volume total de empregos fosse maior, correspondente, em média, a 612 empregos, o impacto nos empregos verdes e tecnológicos seria de, respectivamente, 0,94% e 0,37% apenas, isto é, bem abaixo da média da economia. Os autores lembram que os empregos agropecuários são majoritariamente informais.
Quando olhamos o subgrupo manufatureiro relacionado aos fornecedores especializados, vemos um impacto dos empregos verdes ainda maior, correspondendo ao maior impacto relativo entre os setores e ramos identificados pelos autores do estudo. Para um aumento da demanda final de US$ 10 milhões, o grupo gera uma média de 284 empregos, sendo 16,9% empregos verdes e 1,7%, empregos tecnológicos. Este subgrupo é vital ao conceber, produzir e instalar as máquinas e equipamentos “verdes” para toda a economia.
Alguns segmentos dos manufaturados intensivos em escala também possuem um impacto considerável na geração de empregos verdes e tecnológicos, sobretudo na indústria automobilística, que terá que lidar com o paradigma do carro elétrico. Neste caso, dos 351 empregos adicionais, 10,7% seriam empregos verdes e 0,85% empregos tecnológicos.
Outros setores regulados pelo governo, como saúde pública, possuem impacto sobre empregos tecnológicos também acima da média. Enquanto a média do impacto da criação de empregos tecnológicos na economia é de 0,74%, para um aumento da demanda de US$ 10 milhões, o impacto na saúde pública é de 1,65%.
Necessário salientar, segundo Nassif e Morceiro, que nos setores regulados – por ex., petróleo e gás, saúde pública e energia elétrica – o Estado brasileiro atua diretamente por meio de institutos públicos de pesquisa e, indiretamente, por meio de regulações que têm como princípio aumentar o esforço tecnológico.
Um exemplo são os institutos públicos de pesquisa – Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Butantan, Vital Brasil, Adolfo Lutz e Pasteur. Na educação, por exemplo, muitas universidades e institutos públicos realizam P&D, como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) vinculado a pesquisas aeroespaciais realizadas pela Embraer.
Em relação aos empregos verdes, a maioria dos setores da manufatura teve uma intensidade na geração de empregos verdes acima da média da economia, segundo as estimativas dos autores.
Cabe destacar, particularmente, o setor de construção civil, em que a intensidade da criação de empregos verdes, de 8,89%, é quase o dobro do total da economia, de 4,31%. Dados mais detalhados podem ser acessados no estudo completo de Nassif e Morceiro, que disponibilizam essas informações para todos os 68 setores da economia.
Por sua natureza, o subgrupo de manufaturados intensivos em mão-de-obra possui, em geral, impactos na geração de empregos acima da média da economia, como é o caso de vestuário. Esse subgrupo, tal como os setores agropecuários e de construção civil, é marcado por elevada informalidade e paga salário inferior à média da economia. No entanto, a simulação mostra que estes setores são essenciais em uma economia marcada por uma alta taxa de desemprego como a brasileira.
Com as simulações de Nassif e Morceiro, fica evidente que o setor manufatureiro exercerá um papel fundamental na concepção, produção, instalação e manutenção dos materiais e equipamentos verdes que serão demandados por todos os setores econômicos. Além disso, o setor irá auxiliar na eficiência do uso de energia, uma vez que isso estará ligado, cada vez mais, à digitalização da produção para a tomada de decisão mais rápida.
Essas mudanças requererão a adoção de políticas industriais cujos objetivos contemplem não somente a reindustrialização da economia brasileira, mas também os desafios tecnológicos, ambientais e sociais que terão de ser enfrentados pelo Brasil nas próximas décadas.
Propostas de políticas industriais orientadas por missões prioritárias
Com base nos argumentos relacionados ao papel da indústria de transformação como “motor de crescimento”, nas evidências históricas e empíricas recentes da economia brasileira e nas simulações de impacto sobre o emprego, Nassif e Morceiro propõem seis missões de longo prazo a serem contempladas pela política industrial.
Uma vez que os principais desafios e obstáculos ao desenvolvimento econômico brasileiro são comuns aos sugeridos nas 17 metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, eles serão citados em algumas das missões descritas a seguir.
Missão 1 - Reindustrialização e revitalização industrial. O ODS 9 tem como finalidade promover a industrialização inclusiva e sustentável. Para que o Brasil restaure e sustente a sua trajetória de desenvolvimento, bem como se livre da armadilha da renda média, será necessário promover sua reindustrialização.
Cabe notar que o papel da reindustrialização não é restaurar o estado tecnológico dos segmentos que perderam competitividade nas últimas décadas em relação ao estado que prevalecia anteriormente, mas revitalizá-los por meio da inovação, incorporação de tecnologias limpas e integração com novos serviços de TI.
A missão deverá também contemplar a industrialização das regiões atrasadas do país, que ficaram tradicionalmente desvinculadas do desenvolvimento industrial do eixo Sul-Sudeste.
Missão 2 - Promoção da inovação, progresso técnico e criação de vantagens comparativas dinâmicas. O ODS 9 tem também a finalidade de fomentar a inovação. A inovação difunde o progresso técnico, sustenta o crescimento da produtividade em termos dinâmicos e impulsiona o emprego (no setor de origem e nos setores beneficiados pela adoção/difusão).
As despesas com P&D de 2018 (% do PIB) ainda são baixas no Brasil (1,16%) em relação ao mundo (1,73%), China (2,14%), EUA (2,83%), Alemanha (3,13%), Japão (3,28%) e Coreia do Sul (4,53%), segundo dados da UNESCO. Uma missão nesse sentido implica fomentar o patenteamento e a melhora dos indicadores de esforços inovativos.
Missão 3 - Fomento ao emprego e sua formalização e redução das desigualdades sociais e regionais. Enquanto o ODS 8 visa ao pleno-emprego, ao aumento da eficiência produtiva e à geração de trabalho decente para todos, o ODS 10 busca reduzir a desigualdade de renda dentro e entre as regiões.
Sendo assim, é necessário orientar uma missão no sentido de reduzir a taxa de desemprego, aumentar a formalização e atentar, especificamente, para regiões mais atrasadas do país, onde o grau de informalidade é mais significativo.
Missão 4 - Aumentar o investimento em infraestrutura. O ODS 9 também inclui a construção de infraestrutura resiliente e o ODS 6 visa garantir disponibilidade e gestão sustentável de água e saneamento para todos. Esse tipo de investimento gera um alto retorno social de longo prazo.
A missão pode ser orientada em termos de superar os gargalos existentes em diversas áreas fundamentais e em regiões mais atrasadas do país, uma vez que 16% da população brasileira não têm acesso à água tratada, 47% não têm acesso a um sistema de esgoto e a rede de transporte ferroviário por km é baixa para um país continental.
Missão 5 - Integrar atividades brasileiras às tecnologias digitais. Como consequência das transformações advindas da chamada indústria 4.0, uma missão voltada para a incorporação de novas tecnologias digitais com potencial de revitalizar a maior parte do setor manufatureiro e, ainda, auxiliar na promoção de uma economia mais descarbonizada.
Uma vez que no curto e médio prazo, a incorporação de tecnologias digitais (robótica, inteligência artificial, internet das coisas, big data etc.) pode exercer impacto adverso na geração de emprego, é essencial a manutenção de investimentos em educação, treinamento e qualificação da mão de obra, o que envolverá coordenação entre Estado e setor privado.
Missão 6 - Medidas para tornar a economia mais verde e sustentável. As metas 12, 13 e 15 dos ODS estão diretamente relacionadas à descarbonização, redução das emissões de CO2, proteção das florestas e mudanças climáticas. É irreversível a tendência global de tornar a economia mais verde e sustentável, haja vista a enorme pressão das sociedades por processos de produção neutros em carbono e produtos mais eficientes.
Sendo assim, a missão deverá contemplar novos parâmetros competitivos para todos os setores da economia, a fim de estabelecer índices de rastreabilidade de produtos e rótulos de eficiência energética, por exemplo.
Essas missões possuem caráter abrangente e, uma vez integradas umas às outras, terão potencial de afetar todos os setores da economia brasileira, sobretudo os industriais, serviços sofisticados e os ligados à infraestrutura.
Complementarmente, o Estado pode destinar atenção à industrialização de regiões mais atrasadas, especialmente em áreas mais populosas nas regiões Norte e Nordeste para combater a desigualdade. Estas regiões podem ter um mix de políticas que juntaria a expansão da infraestrutura, transferência de renda para estimular o mercado da região e uma política de formação profissional e de inovação.
O Estado deveria explorar as sinergias entre as missões ao desenhar políticas industriais para maximizar seus resultados. Por exemplo, investir em inovação (missão 2) para produzir aerogeradores (missões 1 e 6) e seus principais componentes (missões 1 e 5) e instalar no Nordeste do país (missões 3 e 4).
Ademais, a qualidade da educação é um importante aspecto para auxiliar no desenvolvimento dessas missões. O país tem feito um esforço para universalizar a educação nas últimas décadas, mas ainda possui uma média de anos de escolaridade comparativamente inferior à dos países desenvolvidos.
Segundo dados da UNESCO de 2018, enquanto a escolaridade média do Brasil é de aproximadamente 8 anos, a da Alemanha é de 14 e a dos EUA, de 13,5 anos. A melhora da educação teria o potencial de auxiliar todas as missões, especialmente às relacionadas à inovação.
Missões e frentes de atuação
Nassif e Morceiro identificam setores e instituições a serem mobilizados para o atingimento das missões acima mencionadas. O critério desta seleção baseia-se nas prioridades das missões e no impacto estimado sobre a geração total de empregos e também sobre empregos verdes e tecnológicos. Entre as diferentes frentes de atuação identificadas, podem ser citadas:
Complexo farmacêutico e de saúde. Os autores lembram que o Brasil possui atores-chave no sistema de inovação em saúde, como institutos públicos de pesquisa (Fiocruz e Butantan), empresas farmacêuticas nacionais e filiais de transnacionais e grande poder de compra estatal por meio do SUS. Neste complexo há setores baseados em ciências (farmacêutico e químico), fornecedores especializados (equipamentos médico-hospitalares) e segmentos industriais intensivos em escala (EPIs).
Com base em sua biodiversidade, o Brasil poderia vir a se tornar referência mundial em doenças tropicais e farmacêuticos biotecnológicos. Além disso, o envelhecimento da população permitiria a expansão de atividades de cuidados residenciais que são intensivas em trabalho. Este complexo articularia as missões 1, 2 e 3 que os autores apontaram anteriormente.
Ações específicas para nichos de mercado com potencial significativo de geração de empregos tecnológicos e de vantagens comparativas dinâmicas. Isso envolveria segmentos da indústria baseada em ciência, intensiva em escala e fornecedores especializados. Os autores mencionam os seguintes exemplos: insumos químicos, tais como fertilizantes e defensivos, já que o Brasil é uma potência agrícola, mas quase integralmente dependente da importação destes implementos; e indústria aeroespacial, dadas as competências da Embraer e do ITA. Poderiam ser atendidas as missões 1, 2 e 4.
Software e serviços de informação. Atualmente serviços de informação investem em P&D tanto quanto os ramos tecnologicamente mais sofisticados da manufatura e desempenham um papel-chave no desenvolvimento de tecnologias da economia digital, que podem revitalizar a manufatura brasileira. Nassif e Morceiro lembram que serviços de informação atuam transversalmente e contribuem para o aumento da produtividade de toda a economia. As missões 1, 2 e 5 orientariam as ações nesta área.
Infraestrutura resiliente e sustentável. Diversos setores podem ser integrados, tais como: bens de capital por encomenda ligados a infraestrutura social (para mobilidade, como metrô e trens urbanos) e física (portos e ferrovias); equipamentos de telecomunicações (para a rede 5G, ampliação da cobertura e redução de desigualdades regionais); insumos químicos e produtos plásticos associados à expansão do saneamento básico; equipamentos de geração, transmissão e distribuição de energia, inclusive painéis fotovoltaicos e turbinas eólicas. As missões 1, 2, 3, 4, 5 e 6 estariam integradas nesta frente de atuação.